Uma vez li um livro que falava sobre o “romantismo” dos ingleses. Não, não falava do romantismo nas conquistas ou relacionamentos a dois, mas do romantismo dos ingleses que os faz gostar de histórias tristes, tristes heróis que nunca tiveram reconhecimento ou mesmo fracassaram – homens que tentaram desbravar florestas, escalar montanhas ou enfrentar o mar e perderam amigos, partes do corpo ou mesmo a vida.
Claro que este “romantismo” não é exclusividade dos ingleses, tanto que a expressão mais usada para os homens que lutam com o impossível é que eles são “quixotescos”, em uma referência ao “herói” espanhol que enfrentava moinhos de vento. Mas além desse perfil de heroísmos encontramos nos ingleses uma tristeza latente e uma ligação profunda com o mar.
A história de Donald Crowhurst, então, não poderia ser mais britânica e provavelmente por isso foi recontada várias vezes desde o primeiro livro sobre ela (The Strange Last Voyage of Donal Crowhurst escrito por Nick Tomalin): ela é sobre um homem inglês de uma pequena cidade litorânea (vivido aqui por Colin Firth em uma de suas melhores atuações) que decide, a despeito de nunca ter navegado em mar aberto, se inscrever em uma competição na tentativa de ser o mais rápido homem a dar a volta ao mundo, sem parada, a bordo de um navio a vela protejado por ele próprio.
Os primeiros minutos de Somente o mar sabe, dirigido por James Marsh, (vencedor do Oscar® pelo filme O Equilibrista e diretor do filme A Teoria de Tudo), nos apresentam a Donald e sua família (a esposa é vivida pela também ótima Rachel Weisz) e nos indica que ele está naquele momento da vida em que, a despeito da vida feliz, ele questiona não ter realizado nada. Como se lhe faltasse um propósito – o fato dos negócios não irem bem e ele não ter dinheiro ou reconhecimento é o maior culpado disso.
Sua frustração é tão clara que mesmo que você não saiba sobre o que é o filme ou quem ele é, você sabe que ele vai se inscrever na tal competição assim que ela é anunciada. O filme, então, entra em sua segunda parte: a preparação.
O Donald sem brilho nos olhos é substituído pelo Donald capaz de tudo para conseguir patrocínio para seu projeto. O problema é que o limite entre destemor e loucura é muito tênue e fica palpável – em boa parte pela atuação do protagonista – que a qualquer momento as coisas vão ficar complicadas.
Por conta dos compromissos assumidos na busca de dinheiro, Donald não pode desistir de embarcar e também não poderá desistir da viagem. E, desde o primeiro instante, a viagem se torna muito mais acidentada do que ele poderia imaginar. Depois, sozinho em mar aberto, ele não demora a ser tomado pelo desespero e loucura.
É nesta terceira parte do filme que Firth entrega mais de si: ele é o típico ator que associamos a papéis de homens que venceram as adversidades, que são capazes de tudo, mas aqui ele consegue transmitir em exata medida o quanto o personagem se sente perdido.
Do outro lado, a decisão de direção e roteiro e intercalar os acontecimentos no barco com o constante estado de espera da esposa em casa por momentos prejudica o filme, tornando-o cansativo, e em alguns momentos tira o brilho do enfrentamento entre o homem e o mar – não são problemas que não prejudicam o filme gravemente, mas estragam um pouco da experiência, é verdade.
Após seu trabalho com o filme vencedor do Oscar® A Teoria de Tudo, James Marsh dirige a incrível e verdadeira história de Donald Crowhurst (interpretado por olin Firth, de O Discurso do Rei). Coestrelada por David Thewlis (de Anomalisa e A Teoria de Tudo) e Ken Stott (de Guerra e Paz e O Hobbit) e produzida pela Blueprint Pictures (O Exótico Hotel Marigold).
O elenco reúne ainda os atores David Thewlis, Ken Stott e Mark Gatiss.
Baseado em uma história real, Somente o Mar Sabe (The Mercy) chega aos cinemas brasileiros nesta quinta, dia 26 de abril, com distribuição nacional Paris Filmes.