O Escaravelho do Diabo – Livro x Filme

O anúncio da adaptação de O Escaravelho do Diabo para o cinema foi comemorado por 9 em cada 10 brasileiros nascidos nos anos 70 – quem sabe até alguns dos anos 80 e 90 – saudosos das aventuras dos livros da Coleção Vaga-lume lidos na adolescência. Até porque eu imagino que O Escaravelho do Diabo tenha ficado na lista dos favoritos de muita gente – na minha com certeza, ao lado de todos do Marcos Rey e de A Borboleta Atiria.

Em minha visão era uma oportunidade de ouro para professores de sexto e sétimo ano falarem com seus alunos não somente das diferenças entre as linguagens, livro e filme, como também sobre as adaptações necessárias para dar um tom mais moderno a trama – como mãe eu já respondi tanta pergunta sobre como as coisas eram no meu tempo ou no tempo dos meus pais e esta me parecia uma forma tão melhor – já que a história original é de 1973, ou seja: nada de celulares, internet, globalização e tudo o mais.

(Claro que ao invés disso a professora da minha filha pediu outros livros que estão longe de despertar a curiosidade de adolescentes)

Eu queria muito ter relido antes de assistir ao filme, mas me enrolei, assim como me enrolei para ir ao cinema quando ele finalmente estreou, conseguindo apenas na última semana em que ele estava em cartaz já em apenas uma sessão de meio de tarde. Li o livro no dia seguinte e a impressão que tive ainda no cinema se confirmou…

Começando pelo livro…

A história original se passa em uma pequena cidade chamada Vista Alegre. Logo em seu início Hugo, um rapaz de 18 anos, recebe um pacote com um escaravelho dentro e é assassinado no dia seguinte com uma espada. O primeiro de uma série de assassinatos que seguirão o mesmo padrão: o envio de um escaravelho, a morte pouco depois, todas as vítimas com cabelos vermelhos.

Alberto, estudante de medicina e irmão mais velho de Hugo, é quem ajudará a polícia a investigar o caso depois de, por acaso, identificar a fotografia do escaravelho em uma revista tentando evitar que o assassino faça novas vítimas.

Se você pensou em um episódio de Criminal Minds, você não pensou errado: Alberto e o Inspetor Pimentel precisam entender a mente do assassino, o que o motiva, e antecipar seu próximo passo, se não não vão conseguir pegá-lo.

o+escaravelho+do+diabo-001Indo para o filme…

Lasseter, da Pixar, o homem por trás de sucessos como Toy Story, uma vez disse que pouco importa a tecnologia, desde que você tenha uma boa história.

Então é fácil pensar que o filme O Escaravelho do Diabo não poderia dar errado, porque a boa história está lá.

Só que dá errado.

Algumas mudanças são previsíveis e necessárias, como eu disse a história se passa em um tempo sem internet, então Alberto precisa enviar os escaravelhos que encontra pelo correio para a faculdade na capital para ter respostas, o que leva dias.

No filme ele pode pesquisar do próprio quarto usando seu computador. Uma cantora de ópera se torna uma cantora pop gravando um clipe na cidade.

Outras foram mal calculadas. Imaginando que o público infantil hoje faz coisas que antigamente não fazia, Alberto deixa de ser um estudante de medicina e passar a ser um garoto de 12 anos viciado em CSI.

Só que nenhuma polícia do mundo deixaria um menino entrar em uma cena de crime ou participar de uma investigação, então o Inspetor Pimentel, que no livro é exemplar, ganha no filme uma doença degenerativa e é afastado do cargo, tornando mais plausível que dê ouvidos ao garoto. A mãe do menino, que no livro estava viajando quando tudo aconteceu, aqui entra em depressão após a morte filho mais velho, o que explica que ele fique por aí sem ninguém questionar.

Engraçado é que estas mudanças foram feitas por acharem que as crianças de hoje são mais espertas e fazem coisas que antes não faziam, mas a sensação ao longo do filme é que elas são consideradas tolas. A história é tão mastigada que pouco suspense resta.

Foi impossível não pensar em séries como Buuu e Detetives do Prédio Azul do Gloob ou no recente filme Carrossel, muito mais bem sucedidos em apresentar à criançada mistério e ação, sem deixar que seus protagonistas sejam versões infantilizadas de adultos chatos.

Em nenhum dos meus exemplos acima crianças resolvem assassinatos, porque na verdade é difícil acreditar que elas o fizessem, e talvez esse detalhe tenha feito uma diferença enorme. Talvez fosse muito mais possível que garotos de 12 a 16 anos, público alvo da história, se identificassem com um rapaz de 18 anos ajudando a polícia do que com esse menino de 12 – outra lição da Disney: o público alvo de uma obra é sempre alguns anos mais novo que os protagonistas da história para que eles possam aspirar serem aqueles personagens.

Finalmente o maior erro do filme: seu protagonista. Thiago Rosseti não convence no papel principal e isso faz uma diferença enorme porque falamos de um personagem que aparece em 90% das cenas do filme, pode até ser que com outro ator eu me incomodasse menos com a idade do protagonista.

Uma pena. Resta torcer para uma correção de percurso antes que outros livros da coleção sejam adaptados.

 

 

 

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

3 Comentários


  1. Ownnnn, amei o Escaravelho e a Borboleta. Sinceramente, não me lembro de nenhuma das histórias (talvez os 35 anos de quando li expliquem), mas lembro que devorei as histórias. Pra uma fã de Agatha Christie por toda a vida, os livros eram ótimos, assim como Memórias de um Vira-Latas, que foi notícia recentemente. Às vezes não entendo porque tentam modernizar certas histórias. Boas histórias são boas histórias, independente do tempo, estão ai os filmes bíblicos e Os Miseráveis pra provar. Alterar tantas coisas tira a essência da obra e na maioria das vezes não fica melhor. Uma pena.

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  2. Eu achei muito vago o filme, como na maioria das vezes o livro é muito melhor,se não me engano o assassino é descoberto anos depois em outro país e parece que havia mais vítimas!!

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  3. Acabei de assistir. Tambem me decepcionei com o filme. Ainda mais porque li o livro. Sua análise é precisa. Parabéns.

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