Dizem por aí que, se olhados de perto, nenhum casal é feliz de verdade. Dizem também que “felizes para sempre” é um conceito enfiado a força na cabeça de meninas muito novas porque é repetido ao final de cada conto de fadas que ela lê e depois ela precisa conviver com a frustração de que ele dura apenas o tempo da foto para a última página do álbum de casamento.
Talvez o problema seja que felicidade não acontece toda hora, assim como não sentimos raiva, tristeza, pena, excitação, tédio, o tempo todo. Na verdade isso vai e vem, precisamos aprender a valorizar quando a sentimos e não sofrermos tanto quando simplesmente não sentimos nada.
E, muito provavelmente, existe um problema com o conceito de felicidade em si: o que é ser feliz? Um casamento estável, ainda que tedioso? Um casamento de mentiras, ainda que com segurança financeira e mantendo o modelo que a sociedade estabeleceu como certo? Ou nenhuma casamento, para que a gente possa se colocar em primeiro lugar o tempo todo? Vários casamentos, que acabem assim que você ache que não está feliz o bastante?
Talvez essa falta de padrão e nosso preconceito quanto a maneira do outro ser feliz esteja por trás da recepção um tanto fria de Felizes Para Sempre?, que estreou na última segunda e teve uma audiência bem mais ou menos.
Porque eu simplesmente não consegui encontrar qualquer outra explicação – tirando o horário, mas como esse é um problema pessoal, pode ser só comigo – para isso: visualmente a série é linda, a trilha sonora é excelente, o elenco foi bem escolhido e a audácia do roteiro torna tudo melhor.
Hummm, estou lembrando de meus textos elogiando A Teia e acho que ela também foi um tanto rejeitada pelo público mais tradicionalista do canal pelo seu formato e crueza.
O primeiro episódio da série nos apresenta a família central: Dionísio (Perfeito Fortuna) e Norma (Selma Egrei), que comemoram 46 anos de casamento após terem se conhecido em um protesto na época da ditadura, ela protestando, ele do exército.
Eles parecem o modelo do casamento ideal, anos e anos de felicidade, mas entre quatro paredes enfrentam os desafios tão comuns aos casais, independentemente da idade, como falta de desejo, sonhos e expectativas diferentes, inseguranças pessoais. Ao que parece, no entanto, é que dividem pelo menos uma certeza comum: um casamento deve ser mantido a qualquer custo, ainda que com problemas.
Um maior destaque foi dado ao problema do sexo nestes dois episódios: sem conseguir fazer sexo há algum tempo, Dionísio tem dificuldades em lidar com seu corpo envelhecendo e Norma é abordada sem trégua por um professor mais novo que fala sem medo sobre o desejo que sente pela colega professora.
O casal tem três filhos, tão diferentes entre si quanto possível: Cláudio (Enrique Diaz) é o retrato do canalha. Além de se aproveitar da proximidade do governo e do conhecimento de como as coisas funcionam para ganhar dinheiro, ele pouco liga para os desejos da esposa, Marília (Maria Fernanda Cândido), mantendo casos diversos, enquanto ela fica sexualmente frustrada.
O casal perdeu um filho, morto afogado na piscina enquanto transavam no quarto. A história dessa perda, que parece ter sido o motivo do afastamento do casal, é bastante semelhante a trama de Anticristo, filme de Lars von Trier. Mas algo me diz, pelo que pudemos ver de Claudio até aqui, é que isso aconteceria de qualquer maneira.
Isso ficou bastante claro para mim quando ele e a esposa, depois de uma sessão de terapia de casal, resolvem tentar apimentar a relação chamando uma garota de programa, a Danny (Paola Oliveira). E nem falo pelo fato dele chamá-la para um hotel sozinho depois, mas pelo fato de que, quando estão os três ali, ele estar mais preocupado em que a esposa não empate a transe dele do que com o desconforto dela.
Sim, eu estou no grupo que já está torcendo para que Danny desvie Marília do bom caminho de menina de escola religiosa e dê uma lição em Cláudio.
O segundo filho é Hugo (João Miguel), um engenheiro que tentou a carreira como atleta de tiro e parece não ter lidado bem com a frustração de seu primeiro plano de vida não ter dado certo. Ele trabalha com Cláudio, assim como o mais novo, e tenta inutilmente ser um cara correto – se divide entre aproveitar a grana que ganha com o irmão e ficar calado ou tentar realmente uma vida nova e correta, se embriagando enquanto não se decide.
Para piorar o sentimento de fracasso do engenheiro, sua esposa Tânia (Adriana Esteves) é o exemplo do sucesso. Cirurgiã plástica, ela está muito bem na carreira, obrigada, e não tem a mínima vontade de encarar uma nova gravidez como é desejo do marido. Só que também não disse não, fingindo não tomar mais a pílula enquanto ele fica sonhando com o novo bebê.
Finalmente temos Joel (João Baldasserini), filho caçula, adotado, se envolveu com drogas no passado e se casou assim que se recuperou. O moço escolhe o jantar de comemoração do aniversário de casamento dos pais para anunciar que está se separando – sério, tem momento pior? – e o roteiro usa essa revelação como ponto de partida para mostrar a verdade dos demais casais.
Apesar da postura de “tudo muito bem” e “é justamente porque nos amamos que tomamos a decisão de nos separar”, fica claro nos dois primeiros episódios que ele ainda ama a esposa, enquanto esta já partiu para o próximo.
Sem sombra de dúvida os dois primeiros episódios me deixaram grudada na tela e muito curiosa de qual sentido o nome da série tomará a partir daqui: quais casais terão sobrevivido ao final dessa história e o que é felicidade para sempre, afinal?
P.S. Quem aí ficou fã do porteiro do hotel? Gente, quero que o moço volte em TODO episódio!
P.S. do P.S. Como eu mencionei, não tenho saúde ou disposição para assistir a minissérie em seu horário normal, então uso do aplicativo da Globo.TV para ver no dia seguinte. Assinantes Globo tem acesso ao conteúdo integral de novelas e séries do canal, já quem não é assinante pode assistir aos destaques dos episódios ou resumos e assim ficar por dentro de algum episódio que tenha perdido.