Pelo direito de não ser 100%

8 de março russo

Tanto não sou que estou aqui, três dias depois do Dia das Mulheres, escrevendo sobre o Dia das Mulheres.

Ou melhor, escrevendo sobre o fato de que sou humana e, a despeito de meu constante esforço para ser uma pessoa melhor, falha. Falho de vez em quando logo cedo e ao invés de sair da cama as seis, garantindo um processo calmo até deixar a filhota na escola, saio meia hora depois e a acordo sem tanto empenho, porque se eu estou com preguiça, imagine ela, e saímos as duas corridas e correndo pra não chegarmos atrasadas na porta da escola.

Aí falho ao longo do dia e depois de passar aspirador e pano na casa com cortes para acompanhar o Facebook e o Twitter, vejo que me atrasei e rola um macarrão com molho Pomarolla mesmo – e não, a marca nem me paga nada por isso.

E nem sempre vou pro escritório cheia de garra e vontade e nem sempre atualizo os blogs na medida que sonhava e, nem contem pra ninguém, ás vezes deixo a Carol mais tempo na televisão ou no computador do que deveria – regras disponíveis nos blogs de mães perfeitas como eu não sou para quem quiser seguir.

Mas no final do dia eu dei conta do trabalho, dos blogs, da casa e da filha como pude – o que significa que de vez em quando rola uma preguiça de dar uma volta com a cã e que posso ter perdido a paciência na hora de explicar pela décima vez a questão da lição de casa enquanto a filha chuta a resposta tentando encerrar logo o tormento.

Eu sou a mãe possível que quer mesmo ser uma boa mãe, que se esforça, que lê livros, que pergunta pra terapeuta, e pra terapeuta da filha, e pra outras mães o jeito certo de fazer as coisas. Porque todo mundo fala que palmada não pode, mas também não explica o que você faz quando a conversa e o castigo não surtiram efeito.

E que se sente culpada por ter dado a palmada e que senta depois com a filha e faz questão de explicar que não quer brigar, que não gosta de brigar, mas que ela ultrapassar os limites de novo não terá outra solução.

A mãe possível cujo coração vive fora do peito desde o dia em que olhou pela primeira vez para aquele rostinho redondo e chorão e que torce pela felicidade da filha mais que torcedor de organizada que tatua o nome do time no peito em letras garrafais.

A mulher possível que disfarça acne e mancha de pele com filtro solar com cor – que é base e protetor – mas que nem sempre tem paciência de pensar no que vai vestir e pega o que tem a mão.

Que é contra o consumismo desenfreado, mas de vez em quando gasta cem moedas num sapato de plástico porque o modelo é tão bonitinho.

E que usa vestido de saia florida com uma sapatilha já acabada de tanto andar pela cidade, mas se sente a moça mais bonita da cidade.

Que tem celulite e que vive acima do peso. Mas que está feliz porque, vamos combinar, viver sem chocolate é para os fortes – e ainda tem a pizza, o fondue e o iogurte grego.

Ah, e deixa de participar de protesto legal para defender os direitos das mulheres porque aproveitou que a filha estava na casa da amiga e sentou no sofá na companhia de comédia romântica e um mojito.

Que chora com filme bonito e ás vezes até com comercial sentimental, mas insiste em brigar por mais educação e humanidade. E que ás vezes fraqueja e deixa pra brigar outro dia ou que alguém brigue com ela.

Que um dia, ao contrário do que dizem que deveria fazer, passou o dia todo de pijama porque a bebê deu trabalho demais e não ficou feliz por isso, mas sabe que não dava pra fazer de outro jeito.

Além disso, tem aquelas roupas que usa pra ficar em casa, motivo pelo qual não aprova visitas sem aviso prévio – mas, dizem, o certo é você se arrumar pra trabalhar em casa como se fosse trabalhar no escritório, e não em qualquer escritório, mas um bem chique e elegante.

E que, acima de tudo, acredita que o feminismo, além de uma luta por uma vida mais justa, defende piamente o direito da mulher ser o que sonhar ser, seja seu sonho ter dez filhos e uma casa no campo, seja não ter filho nenhum e torrar seu salário em sapatos, jogos de vídeo game ou viagens ao redor do mundo.

E ter o direito de ser imperfeita, falha, e ainda assim compreendida. Que ela possa de vez em quando soltar o choro, se apoiarem um ombro amigo e, ao mesmo tempo, lutar contra os dragões imaginários ou reais. Sem ser julgada menos por isso.

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E que achava que o Dia da Mulher era por conta de um incêndio em uma fábrica americana e aprendeu, aos 36 anos de idade, que ele está relacionado a uma greve de operárias russas ocorrida em 1917 e que precipitaria os acontecimentos que resultaram na Revolução de Fevereiro.

Leon Trotsky assim registrou o evento: “Em 23 de fevereiro (8 de março no calendário gregoriano) estavam planejadas ações revolucionárias. Pela manhã, a despeito das diretivas, as operárias têxteis deixaram o trabalho de várias fábricas e enviaram delegadas para solicitarem sustentação da greve. Todas saíram às ruas e a greve foi de massas. Mas não imaginávamos que este ‘dia das mulheres’ viria a inaugurar a revolução.”

Após a Revolução de Outubro, a feminista bolchevique Alexandra Kollontai persuadiu Lenin para torná-lo um dia oficial que, durante o período soviético, permaneceu como celebração da “heróica mulher trabalhadora”. No entanto, o feriado rapidamente perderia a vertente política e tornar-se-ia uma ocasião em que os homens manifestavam simpatia ou amor pelas mulheres – uma mistura das festas ocidentais do Dia das Mães e do Dia dos Namorados, com ofertas de prendas e flores, pelos homens às mulheres.

Este post faz parte do Meme de Março, uma iniciativa das interneteiras do LuluzinhaCamp, que tem como única intenção, a diversão. Porque somos blogueiras e adoramos blogar, simples assim. Se você tem blog, corre para participar, clique aqui e saiba mais.

P.S. A frase do título veio do Saia Justa da semana passada, vale ver no site do GNT.

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

3 Comentários


  1. hehehehe
    tá melhor que eu, Si, que só aprendi a história das operárias russas aos 4.7… 😀
    Amo a sua imperfeição, santa.
    beijo enorme

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