Switched At Birth: Black And Grey (4×06) – erros na adolescência e a cultura do estupro

Desde que eu passei por aqui indicando Switched At Birth já se passaram quase 5 anos. A série teve aquela primeira temporada enorme, depois finalmente estreou por aqui no Sony Spin – alguém lembra desse canal? – o que fez que muita gente não visse, e depois deu uma passada pela Sony mesmo em um daqueles horários de domingo de manhã e aí quando a gente lembrava que tinha episódio da série, já era tarde demais.

Acho uma pena, de verdade. Tudo que eu disse no meu primeiro texto continua valendo: a série tem ótimo roteiro, bem família, e um elenco bem entrosado. Soube tratar, ao longo de suas temporadas, da difícil questão da troca das bebês na maternidade, mas foi bem mais longe: falou de preconceito com surdos e latinos, falou das dores do crescimento, perda do primeiro amor, a primeira vez, drogas, decisões erradas e ainda teve tempo de falar dos problemas que os adultos encaravam em meio a tudo isso, que lidavam com os filhos adolescentes e ao mesmo tempo tinham suas próprias crises, seja nos relacionamentos seja quanto ao que fazer de sua vida quando a frustração aparece em um momento da vida em que se achava que tudo seria só aproveitar a vida depois de muita batalha.

Eu confesso que fui bastante relapsa com a série, depois da segunda temporada seus episódios foram se acumulando no HD, em mais uma demonstração de que esse negócio de baixar e assistir não é exatamente “coisa minha”, e eu deixei para lá. Quando ela entrou para o catálogo da Netflix eu inclui na lista, mas somente recentemente, com a entrada da 4ª temporada, é que eu resolvi voltar a assistir e, na verdade, passei a última semana intercalando os episódios desta com os da programação normal, chegando rapidamente até a última temporada disponível e ao episódio sobre o qual eu quero falar aqui: Black And Grey.

Para situar quem não assiste a série, mas foi atraída pelo título do meu texto: no final da terceira temporada Daphne, enfrentando a dor da morte de seu pai, acaba fazendo uma tremenda besteira se envolvendo com um criminoso. Os dois vandalizam uma obra, só que ela acaba sendo descoberta. Ela já estava em condicional por ter se envolvido em outra confusão e acabaria na cadeia. Sua irmã Bay, em um ato impulsivo, assume a culpa por ela, já que ela não tinha problemas com a justiça, e acaba prestando serviços comunitários e usando uma tornozeleira enquanto está em prisão domiciliar.

Quando todo o pesadelo acaba Bay apenas quer comemorar a reconquistada liberdade e, após o namorado voltar para Los Angeles, ela segue para uma festa da faculdade aonde sua irmã Daphne está cursando pre-Med (cursando as matérias que possibilitarão que ela faça medicina), bem como vários amigos do ensino médio e seu ex-namorado Tank.

Na festa tanto Bay como Tank bebem demais e na manhã seguinte Bay acorda nua ao lado dele sem lembrar absolutamente nada do que aconteceu. Ela volta para casa se sentindo a pior pessoa do mundo por ter traído o namorado, na verdade, a pior pessoa do mundo por achar que traiu o namorado e nem ao menos lembrar do que fez, se disse sim ou não.

E não é essa a única culpa que Bay carrega: ela ainda se sente culpada por se sentir assim sendo que o Tank é um cara tão legal.

Levando em conta que a série é voltada para a família, vamos combinar que este não é um assunto fácil de ser abordado. Ainda mais considerando que a potencial vítima é uma adolescente. E para quem vai brigar comigo por eu ter usado a palavra potencial: é justamente sobre isso o episódio. Bay não lembra de nada, Tank diz que ela queria, que ela o beijou, que ela não disse não. Nas palavras de Bay ele é “o cara que jamais me machucaria de propósito”.

O episódio vai além de tentar mostrar o que realmente aconteceu naquela noite, mas ele fala sobre todo o “depois” da situação e sobre como as pessoas reagem quando algo assim acontece.

Após a namorada de Toby, irmão de Bay, contar o que aconteceu para a diretora a faculdade abre uma investigação, ainda que Bay não queira, e no jornal da faculdade Bay é tratada como vadia, Tank como predador. Todos tem opiniões sobre o que aconteceu, sobre o que ela deve fazer agora, há os que defendem que ela deva falar para que isso não aconteça com outras garotas, a quem defenda que ela não precisa falar se não quiser.

E meu coração se partiu e juntou mil vezes enquanto tudo isso acontecia – quando a mãe dela conta de um episódio da adolescência de que ninguém mais sabe ou quando o pai dela a abraça.

Ao mesmo tempo em que um amigo de Bay, Travis, se sente culpado por não ter percebido que ela estava bêbada demais e tê-la levado embora, outra, a namorada dele Mary Beth, explica que, como uma garota, Bay deveria ter se protegido porque é assim que o mundo funciona.

Em determinado momento tanto o irmão como o pai de Bay repetem a mesma coisa para Tank: se ela estava tão bêbada a ponto de não se lembrar de nada no dia seguinte, então ele deveria ter parado, mesmo que ela não tenha dito não. Achei muito bom que a escolha dos roteiristas tenha sido de colocar estas palavras em bocas masculinas ao invés das femininas.

E achei significativo que tenha sido uma garota nova a dizer que Bay deveria ter se protegido porque o mundo é assim. Isso é a cultura do estupro. Isso é o reflexo da culpabilização da vítima que vemos todo os dias na vida real.

Bay passa a maior parte do tempo uma desculpa para a forma como Tank agiu, tenta enxergar “sinais” que ela pode ter lhe transmitido. E ela se sente muito mal quando ele é expulso, na verdade em seu depoimento ela deixa claro que não quer isso e que os dois tomaram decisões erradas.

A grande questão não era sobre se realmente Tank violentou Bay ou não, fica claro no roteiro que ele não deveria ter ido tão longe se estava tão bêbado e ela também e ele é expulso da faculdade, mas sobre porque garotas tem tando receio de contar o que passaram – Bay se sente novamente violada quando lê os comentários na internet – e porque tantas garotas se sentem culpadas. E é sobre adolescentes jogados na vida adulta vivendo sozinhos na faculdade sem que eles realmente entendam as consequências de seus atos.

É por isso que não dá para ser preto e branco aqui, ainda que muitas de nós sabermos que na maior parte do tempo é preto e branco e no fundo desejarmos que o roteiro tome esse rumo e mostre que ele era um grande vilão.

Mas aqui a posição é que nenhum de nós sabe realmente o que ela está passando e quer entrar na tela e abraçá-la quando ela começa a ler os comentários na internet (como as pessoas podem ser tão cruéis?) e porque não queremos imaginar que o cara legal que mora com nosso irmão pode fazer algo horrível (pessoas boas podem sim fazer coisas horríveis) e porque nós queríamos que coisas horríveis não acontecessem com pessoas boas (e Bay é boa demais).

É um episódio intenso e corajoso.

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

Deixe uma resposta