Como fã de cinema, gostei bastante dos quatro filmes da série que misturam ação e romance adolescente com questões políticas bem interessantes e muitos efeitos especiais bem feitos. Na verdade, foi impossível não traçar um paralelo entre a parte final do filme e o Brasil de hoje.
Em Jogos Vorazes, Katniss é a heroína que não queria ser heroína. Num futuro pós-apocalíptico – engraçado como a maioria das obras que apresentam o futuro como cenário não o mostram felizes, não é? – o mundo foi dividido em uma capital e vários distritos. Cada distrito fornece/trabalha com algo e precisa não só alimentar sua população como o povo da capital. O povo da capital vive no luxo, os distritos na pobreza.
Existe paz, mas também existe um enorme exército bem equipado vigiando tudo. Existe a figura de um ditador, Snow, vivido de maneira adoravelmente má por Donald Sutherland, que gosta de ter tudo sob seu controle. Ele não tem nuances, ele é mau, ele é dominador, ele seria capaz de tudo. A sua volta “nobres” em roupas coloridas e exageradas, muita maquiagem, bebida e comida a vontade.
Para manter a paz eles inventam os tais jogos que dão nome a trilogia, nestes cada distrito envia dois representantes escolhidos por sorteio ou voluntários, que deverão se enfrentar até a morte de todos menos um. Estes jogos serviriam para diminuir o desejo de violência da população.
A irmã mais nova e mais indefesa de Katniss é sorteada e Katniss se voluntaria para substitui-la. Vejam, ela não quis ir porque achou que era seu dever, que seria demais lutar, ela estava se sacrificando.
Ao final dos jogos restam ela e outro cara do mesmo distrito e um precisa matar o outro. Katniss se recusa, de novo, não porque se achava melhor que qualquer um, ela simplesmente não pode matar alguém, o rapaz acaba concordando e eles sobram.
A Capital vai lá e diz que eles se apaixonaram, uma história de amor em meio a luta pela sobrevivência seria uma ótima forma de propaganda. Eles voltam para casa, só que a verdade é que o povo dos Distritos está tão revoltado que a história de amor não convence muito, enquanto a recusa de Katniss em matar alguém fica na memória.
A Capital percebe então que precisa dar um jeito na guria antes que ela se torne motivo para uma rebelião e cria uma versão especial dos jogos, em que antigos campeões participam e quem sabe assim eles dão um jeito nela.
De novo ela não age como planejado, ao invés disso, em dado momento ela atira uma flecha na redoma que isola os participantes do jogo e tudo vira caos, caos do qual ela é resgatada pelo pessoal da resistência.
Liderando a resistência temos Alma Coin, vivida por Juliane Moore, que inicialmente é mostrada como a esperança. O problema é que, ao prestamos mais atenção, vemos que ela também quer tudo sob seu controle, também observa tudo e também tem medo da sombra que Katniss pode fazer sobre ela.
De qualquer forma, é ao lado dela que Katniss chega ao final da história, colocada como símbolo para a resistência, usada em filmagens bem feitas para mostrar que eles são capazes de vencer a Capital.
***SPOILERS a frente para quem não leu a trilogia ou não viu o último filme***
Ou seja, Katniss deve servir ao propósito da resistência, mas não aparecer demais, não ter ideias demais, não ser boa demais. Alarmes são acionados em nossa cabeça, o sorriso de Snow começa a parecer menos perigoso que o da Alma, talvez porque eu acho menos assustador quem mostra sua maldade sem disfarces.
Não é surpreendente, então, quando um dos líderes do exército rebelde revela para Katniss que Alma quer que a garota morra em combate na frente das câmeras, ela seria uma mártir, alguém que serve de símbolo, mas não ameaça o poder.
Logo em seguida Katniss e seu grupo acabam no meio de um combate que acaba com muita destruição e todos acreditam que ela está morta. Coin não demora nada em fazer um discurso muito bonito sobre o quanto ela gostava de Katniss e do quanto ela representava. Só faltou dizer que era como uma filha para ela.
Rebeldes então mais motivados decidem invadir a Capital e a luta é feroz. No meio dela Katniss e os demais de seu grupo enquanto alto-falantes chamam crianças para a sede do governo para serem protegidas. O local aonde uma bomba é jogada. Entre crianças caídas e muito desespero Katniss e os demais conseguem invadir a sede, Snow é preso, a rebelião venceu.
Após vencer o que existe? Uma reunião de cúpula, é claro. Na verdade é assim que a política funciona, não é?
Logo na primeira reunião Coin diz que as eleições serão adiadas, afinal todos estão tão confusos, comovidos, cansados. Depois de ter ouvido que a bomba que matou crianças não tinha sido obra da Capital, mas um estratagema de Alma Coin para fazer com que os moradores da Capital também lutem a seu lado, Katniss olha com curiosidade, depois decepção, para a revelação de quem Alma realmente é.
Ela adia eleições, ela acha que seria interessante uma nova edição dos Jogos Vorazes, desta vez com moradores da Capital, para que eles passem pelo que os Distritos passaram, ela aceita, bondosamente, ser presidente enquanto tudo se acalma, ela quer que Snow seja morto em praça pública.
A semelhança entre os discursos não passa despercebida de Katniss, que no mesmo instante transparece a frustração e a raiva de ter lutado por uma causa vazia, por alguém que não é nem um pouco melhor que o inimigo que ele declara. Ela e uma população inteira – afinal, pessoas da rebelião morreram, mas pessoas da Capital também morreram, conduzidas pelo medo que Snow incutia nelas de que os “selvagens” dos Distritos iriam matá-las.
Todos, sem exceção, massas de manobra, alguns mais desesperados que outros. Alguns mais violentos que outros – porque em meio a gente simples existem psicopatas que adoram a desculpa para praticar o mal.
Katniss, então, se voluntaria para matar Snow com uma flecha e no momento da execução faz então a única coisa que lhe parece passível de diminuir realmente toda a destruição que viu acontecer e que tem certeza se repetirá: ao invés de apontar sua flecha para Snow, mata a nova presidente – e a risada de Snow é catártica – já falei o quanto Donald Sutherland está ótimo no papel?
Bom, acho que ficou fácil entender o paralelo entre a história contada por Suzanne e o que vivemos hoje na política nacional, não é verdade? Somos apenas massa de manobra para pessoas que, batendo no peito, apenas querem repetir o que os atualmente no poder fazem.