Eu e minha bicicleta

Lembro como se fosse ontem de quando fiz meus 18 anos. Meus pais realizaram o sonhos de muitos outros pais ao me darem meu primeiro carro, um golzinho azul, daqueles quadradinhos, motor 1.0, a quem eu dei o nome de Frederico.

Naquele tempo, como muita gente faz até hoje, eu associava o carro, a carta de motorista, à liberdade de ir e vir. Adorei todo o processo de aprender a dirigir e, modéstia à parte, aprendi muito bem todos os macetes. E nem poderia ser de outra forma: morando em Guarulhos e trabalhando como auditora eu atravessava a cidade de São Paulo diariamente, quase sempre nos horários mais complicados.

Eu ainda adoro dirigir… Na estrada. Após anos e anos passando em média três, quatro horas por dia parada em alguma avenida, a ideia de que carro e liberdade são equivalente não existe mais. A única exigência feita na escolha do apartamento para mudar após o casamento: no meio de São Paulo, perto de uma estação de metrô. Foi assim que eu fui parar na Vila Pompéia, entre as estações Vila Madalena e Barra Funda. Foi por isso que os dois carros que tínhamos, eu e meu marido antes do casamento, viraram apenas um.

Depois que nasceu a Carol a distância entre eu e o carro só aumentou: passei a buscar solução para tudo perto de casa, do supermercado a escola, passando por médicos, lojas de roupas, petshop, boteco e restaurante. Se for possível ir a pé é a escolha ideal.

Quando voltei a trabalhar, a Carol com um ano de idade, escolhi um emprego na Avenida Paulista. Seis quilometros me separam de meu escritório – quando eu morava em Guarulhos a conta era sempre acima de 30 – que fica ao lado de outra estação de metrô. Sim, eu sei que a maioria não consegue, pelos mais diversos motivos, ter a comodidade que tenho, mas também não agradeço aos céus pelo que consegui: fiz certos sacrifícios na carreira, pago mais pelo financiamento do apartamento, o que significa gastar menos com outras coisas, tudo para realizar o sonho de não depender mais de um carro.

Hoje, 07 anos depois da Carol ter nascido, 08 anos depois de eu ter assinado um caminhão de promissórias e 06 depois de ter escolhido a comodidade como prioridade na opção por um emprego, eu raramente uso o carro. Algumas vezes meu marido viaja e eu poderia vir com o carro para o trabalho, a escolha é deixá-lo próximo a estação de metrô, após deixar a Carol na escola, e pegá-lo apenas no final do dia. Troco 30 minutos de carro por 20 entre metrô e caminhada, mas me sinto muito mais livre e ainda leio um livro.

Não sei ao certo quando eu comecei a olhar para a bicicleta de outra forma. Entendam que eu até tinha certo preconceito: não sou dada a atividades físicas e meu irmão é daqueles obcecado por esporte, que desce a serra de bicicleta como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Mas a questão é que eu olhei e percebi que, antes de ser o objeto de tortura das academias, a bicicleta era um meio de transporte.

Isso é tão óbvio que é até ridículo eu nunca ter pensado nisso antes.

Comecei então a procurar sites que falassem da bicicleta de forma diferente, comecei a prestar mais atenção ao pessoal que usa a bicicleta no dia a dia, aqui mesmo na Avenida Paulista. Descobri que o movimento Cyclechic também existia em São Paulo e coloquei na cabeça de que essa sim era uma opção pela liberdade.

Primeiro de tudo eu tinha que resolver uma questão de ordem prática: eu precisava de uma bicicleta. Tá, eu tinha uma bicicleta, uma Caloi usada para passeios. Mas ela tinha um problema que talvez tivesse me afastado da bicicleta muito antes da ideia de que ela é para esporte: ela era grande demais para mim. Você já parou para pensar que para uma pessoa que tenha menos de 1,60m, tipo eu e os meus enormes 1,54 (meu pai disse que eu tenho horário e não altura), uma bicicleta aro 26 é ENORME? Eu não consigo simplesmente parar a bicicleta e ficar com ela em pé. É impossível.

Foi quando eu descobri as bicicletas da Dahon, uma marca americana que faz bicicletas que dobram – olha que ideia SENSACIONAL – e que tem aro 20, o que torna muito mais fácil a minha relação com a magrela. Problema? Só o preço, não é? Mas teimosa determinada como sou, estabeleci a meta e comecei a guardar um pouquinho por mês. Foi um ano fazendo contas e então pude comprar a minha bicicleta à vista e ainda coloquei uma cestinha linda, de vime, na magrela.

A bicicleta está sendo muito bem usada em todos os finais de semana, temos aproveitado a ciclovia do Parque Villa Lobos em família – no embalo meu marido comprou uma bike nova para ele e a Carol está usando a que ganhou no ano passado – o que me permitiu aprender melhor como controlar a bicicleta, que é mais arisca por conta do corpo ser menor. Não foi só isso que  ganhei: a Carol está adorando o programa em família, depois de andar de bicicleta, brincamos de pega pega, fazemos piquenique e empinamos pipa, voltamos todos a ser crianças.

Ah, também tenho dormido muito melhor e ganho novo fôlego, me sentindo mais saudável.

Mas o projeto vai mais longe: eu quero usá-la para vir trabalhar, algo totalmente plausível na distância que tenho, ainda mais se considerarmos que boa parte dela são duas retas seguidas, as Avenidas Dr. Arnaldo e Paulista.

Para poder fazê-lo eu preciso de duas coisas: primeiro convencer meu marido que isso é possível, de que não serei atropelada logo na primeira tentativa (para isso eu tenho contado com os vários blogs e relatos do pessoal que já faz isso todo dia); segundo, preciso acertar a rotina da Carol, já que fica meio complicado levar a pimpolha de 07 anos na garupa com uma mochila enorme.

Por isso em 2011 a rotina muda um pouco: Carol mudará para uma escola mais perto ainda de casa, o que me permitirá levá-la a pé mais cedo e depois pegar minha bike e seguir, seja para o trabalho seja para a estação de metrô – a da Vila Madalena tem até bicicletário, mas minha intenção é dobrar a bike e carregar comigo até a estação Brigadeiro, seguindo então até o escritório com ela.

Ah, sabe o que é mais engraçado? A Carol tem repetido constantemente que, por ela, todo mundo abandonava o carro e usava bicicleta no dia a dia. Acho legal isso porque nunca falei para ela sobre minhas intenções assim, de forma séria ou fazendo a defesa disso, sabem o que eu quero dizer? É claro que crianças são super inteligentes e pegam as coisas a sua volta, mas mesmo assim achei sensacional ela externalizar dessa forma. Isso significa que, para ela, a bicicleta já está muito mais associado ao bem estar do que estava para mim no passado.

Eu prometo contar para vocês aqui da evolução do meu plano de ir de bike para todo lado. E, para quem já adotou a bike de vez, me ajuda aí a convencer meu marido de que é possível, mesmo que você more na terra das cabras, ops Pompéia.

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

12 Comentários


  1. Adorei o depoimento! Moro em uma cidade em que fugir do carro exige sacrifícios enormes (pra mim, inviáveis), mas sempre disse que, se morasse em São Paulo, pagaria a mais no aluguel só pra poder usar o metrô pra trabalhar. 🙂

    Tenho que admitir que compartilho do medo do seu marido: andar de bicicleta num trânsito como o de São Paulo parece-me arriscado. Vou acompanhar a aventura, torcendo pra tudo correr bem!

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    1. Eu passei um tempo trabalhando em Brasília e lembro de precisar de carro para tudo, até pela divisão por “tipo” de prédio que tem por aí né? Por outro lado, aí seria ideal para investimentos em metrôs de superfície, pena que não existe interesse político. Vou contando aqui o que acontecer e também torcer para tudo dar certo, risos.

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  2. Nossa Si, vc morava em guarulhos, em que Bairro? Eu moro em guarulhos no picanço, vc conhece? Realmente a distancia não ajuda nenhum pouco.

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    1. Hum eu morava num bairro chamado Picanço, será que vc conhece? risos enormes

      Meu irmão mora na Lucia rabelo, na Vila galvão, mas agora comprou um sobrado em um condomínio atrás do carrefour…

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  3. Que inveja saudavel eu estou de ti.
    Sou casado, e minha mulher ama ficar com o carro, enquanto eu so o uso nos finais de semana, faça chuva ou faça sol eu to sempre de magrela, já ela nao abandona a ideia do carro.
    Mas ja ta melhorando, as vezes, saimos pra pedalar, eu ela e nosso guri.
    O legal que ele tbm já ta “mordido” pelo mosquitinho da bike, quer ficar andando o tempo todo, e não curte muito carro.
    Torço pra que suas metas sejam alcançadas.
    Aquele

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    1. E não é um sentimento sensacional? David Byrne fala no livro dele que é uma coisa de êxtase e eu não posso deixar de concordar. Quanto mais você usa, mais quer usar.

      Já uso a bike nas pequenas distâncias agora e acredito que até março já vou estar encarando o dia a dia até o metro sem problemas. Vou escrevendo no blog as histórias e fico feliz de encontrar mais gente envolvido com a bike.

      Quanto aos nossos filhos: quero acreditar que, quando crescerem, seja mais fácil para eles escolherem a bike.

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  4. Simone, uma vez abraçada a ideia da bike, não se larga mais. Há mais ou menos um ano coloquei essa ideia na cabeça e, mesmo ainda usando o carro às vezes por dias seguidos, não deixo de usar a bicicleta.

    Moro em Brasília e moro a cerca de 8km do trabalho. Você lembrou bem, aqui as distâncias são bizarras de grandes e dificilmente tenho oportunidade de resolver várias coisas cotidianas num dia só quando estou de bike. A outra “desvantagem” de BSB é que os congestionamentos em até 10km do centro (ainda) não são grandes o suficiente para convencer as pessoas a deixar o carro em casa, como pode acontecer em SP.

    Mas aqui é uma cidade razoavelmente plana, as ruas têm mais espaço e só chove no começo/final de ano. No meu caminho de casa para o trabalho, levo cerca de 20min de carro (sem trânsito) e 25min de bike. Compensa? Considerando economia de combustível, bem para o ambiente e para a saúde, acredito que sim.

    Você tem agora alguns dilemas que devo ter em breve. Como usar bicicleta no dia-a-dia com esposa e filhos? Uma coisa é certa: bicicleta não vai deixar de ser opção.

    Um abraço e boa sorte!

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    1. Pedro: uma verdade indiscutível, depois que você começa a usar a bike não tem mais volta.

      Quanto as distâncias ou subidas e descidas, cada um tem uma dificuldade, mas a gente vai se ajeitando e resolvendo. Foi assim como e as subidas e agora e rotina da filha para colocar a bicicleta no meu dia a dia. tenho certeza de que você também vai conseguir.

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