Às bruxas como eu

A gente não devia ler os comentários. Mesmo. Mas eu li.

Na imagem, Fernanda Montenegro, um monstro da arte brasileira, na legenda “Quando acenderem as fogueiras, eu quero estar ao lado das bruxas”. Tanta força ali, tanto significado, tanta beleza.

Sabia que ainda encontraria comentários infelizes, eles estão por todo lado hoje, mas sabia que a força daquela imagem não poderia inspirar somente a mim, fui ler para encontrar os iguais, não para perder tempo com os demais.

No meio deles a frase que ficou em mim “no Brasil teatro não é arte’.

Com certeza quem escreveu não viveu a emoção de, perto de um palco ver a energia de um ator ao se transformar em outras pessoas.

Perto do palco não viu lágrimas, não viu o suor escorrendo na testa.

Não tem em sua memória Marco Nanini segurando um canapé mordido enquanto falava de Berenice, o amor de sua vida.

Não viu Raul Cortez interpretar Rei Lear com tamanha força que o fato dele aparecer nu no palco não fez diferença nenhuma.

Não se contagiou pela energia de um elenco que canta, não riu com um improviso de última hora.

Não viu de perto Falabella, Jô Soares, Paulo Autran, Fagundes, não respondeu às perguntas de Dan Stulbach, não se impressionou com a beleza e força de Letícia Spiller, não se surpreendeu como fato de que, vejam só, Marcos Mion até que faz um bom vilão.

Não viu sua filha se apaixonar por uma princesa boneca de manipulação de cabelos cor de rosa enquanto estava sentada nas cadeiras de madeira do SESC Pompeia.

Não teve amigos se apresentando ao final de um curso de teatro amador, os amigos presentes aplaudindo de pé como se tivessem visto a peça de suas vidas.

Não correu para não chegar antes do terceiro toque.

Não dormiu embalado pela magia.

Tenho aqui para mim que, na verdade, ele nunca foi ao teatro, porque só isso explica tão desparatado comentário.

Não tive a oportunidade de ver Fernanda no palco – provavelmente não verei, infelizmente – mas a vi no cinema, brasileiro também, meu senhor, na televisão. Vi seus olhos e expressões dizendo tanto, mesmo quando palavras não eram ditas.

Triste esse tempo em que pessoas se orgulham de não ter vivido isso.

Olho aqui para a minha caixinha de lembranças, os convites rasgados desses momentos que lembro com tanto carinho e me sinto rica.

P.S. A imagem em questão ilustrou uma matéria da revista 451 com entrevista de Fernanda. Por conta dela teve gente dizendo de tudo sobre a Fernanda (do ignorante do governo à pessoa que ainda não entendeu o que é a Lei Rouanet). Confesso, a esta altura, nem fico mais triste por eles. Ser ignorante por opção não merece a minha tristeza.

#vivafernanda

Escrito por Simone Fernandes

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

2 Comentários


  1. Dei um passeio pelas minhas lembranças de teatro lendo o seu texto… estão entre as minhas mais antigas memórias, antes até do cinema. A magia dos personagens de carne e osso na frente da gente… é preciso ter um coração de pedra, ou nenhum coração, para dizer que o teatro brasileiro não é arte.

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    1. Ahhh, acabaram de falar ao meu lado “tô pensando” e lembrei da mesma peça do Nanini, ele parado sozinho no meio do palco, melhor peça monólogo da minha vida. A cortina abre e ele: “um homem no meio do palco pensando. pensando, pensando, pensando…”

      Eu só falei daquelas que vieram a mente, mas são tantas boas lembranças. <3

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