O que separa o corajoso do louco? Na França de 1891, Paul Gauguin (Vicent Cassel) deixa Paris em direção à Polinésia Francesa deixando para trás seus amigos pintores Laval, Bernard, Van Gogh e Maijer de Haan, com quem havia criado o ateliê tropical. Nenhum deles vivia em situação financeira melhor que a dele na capital francesa, pelo contrário: os tiveram seu talento reconhecido tal aconteceu quando já estavam mortos.
Não que eles não quisessem se entregar a esta viagem, mas nenhum deles se dispôs a apostar o pouco dinheiro que tinham em uma viagem sem garantias, bem como deixar para trás sua família. Gauguin deixa em Paris a esposa Mette e seus cinco filhos e não é por não amá-los.
Não que o pintor não fosse conhecido: sua obras já eram elogiadas, mas seu comportamento algumas vezes dificultava sua venda (sua mistura entre sagrado e profano em uma época em que a igreja tinha muita força mais de uma vez impediu a venda de seus quadros ou que eles fossem expostos em galerias).
O Taiti, então, alimenta seu desejo de reencontrar pureza, de retratar o intocado pelo homem.
É nesse momento que se inicia Gauguin – Viagem ao Taiti, filme que foi destaque no Festival Varilux de Cinema Francês 2018 e que estreia nesta próxima quinta, dia 23 de agosto, nos cinemas.
O roteiro e direção é de Édouard Deluc, que escreveu sua história romanceando Noa Noa, o diário de viagem que Gauguin escreveu depois de sua primeira viagem ao Taiti, em 1893. Uma história sobre buscar o que o impulsione a pintar, sobre descobrir novas formas de amar.
Por conta disso, Gauguin – Viagem ao Taiti se distância de outros obras biográficas – e se distância da história realmente acontecida: em seu período na ilha, antes de retornar à Paris ainda mais pobre e pouco reconhecido do que quando saiu, o pintor teve várias namoradas, retratadas nos quadros que hoje valem milhões, mas aqui todas ganham o rosto de Tehura (Tuheï Adams), que se torna a esposa dele logo após ele ter quase perdido a vida por conta da fome e exaustão.
A história de busca pelo intocado por Gauguin acaba acontecendo na mesma época em que a igreja aumenta na Polinésia, então é como se o pintor, ao perceber as sutis mudanças de comportamento nas pessoas da comunidade em que vive, e na própria esposa, ficasse ainda mais desesperado para documentar aquela cultura primitiva que ele acredita que desaparecerá – e é impossível não pensar nisso quando a fotografia contrasta o colorido local, na paisagem e nas roupas, com o branco que os habitantes passam a usar nos “dias de igreja”.
O filme francês também namora com as influências norte americanas sobre o diretor: muitas vezes a jornada do pintor se assemelha a um caubói solitário desbravando o deserto movido unicamente pelo desejo de pintar, mas ele também mantém traços originais, como as longas cenas silenciosas mostrando a paisagem fascinante do local.
Finalmente, temos Vicent Cassell, que desaparece completamente no personagem que, mesmo feliz, traz uma melancolia única em seu olhar e trejeitos. Talvez por saber que seus quadros não seria valorizados, talvez pela frustração da eterna luta por dinheiro, talvez por saber que aquela beleza a sua volta duraria pouca além de seus tubos de tinta.
Gauguin – Viagem ao Taiti (Gauguin – Voyage De Tahiti)
DIREÇÃO: Édouard Deluc
ELENCO: Vincent Cassel, Tuheï Adams, Malik Zidi, Pua-Taï Hikutini, Pernille Bergendorff, Marc Barbé, Paul Jeanson, Cédric Eeckhout
PAÍS/ANO DE PRODUÇÃO: França/2017
GÊNERO: Drama/Biografia
MINUTAGEM: 102 minutos, aproximadamente