Até 2011, quando foi diagnosticado com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), Steve Gleason era conhecido como um ex-jogador de futebol americano de sucesso. Mais que isso um herói do New Orleans Saints, um símbolo da reconstrução da cidade de New Orleans após o pesadelo do furacão Katrina.
Gleason foi o jogador responsável pela jogada que garantiu ao Saints um touchdown quando eles jogavam reabrindo o estádio reformado que havia servido de lar a milhares de desabrigados.
O jogador se aposentou em 2008 e em seus sonhos estavam aproveitar do dinheiro ganho como jogador, quem sabe começar um novo negócio, e ter filhos coma esposa, um daqueles casos de amor surgidos do acaso e que parecem perfeitos no exato momento em que os dois trocam o primeiro olhar.
Até o momento em que ele começou a cair sem motivo, espasmos musculares, cansaço.
Para muitos, o diagnóstico de ELA é uma sentença de morte: os médicos estimam pouco tempo de vida, 5 anos no máximo, e neste pouco tempo muito sofrimento pela perda dos movimentos musculares até que não se possa respirar mais.
Para alguém jovem como Gleison, que sempre deu duro para ter sucesso, o diagnóstico se tornou um desafio de aproveitar o que lhe restava de vida da melhor forma. Isso e a vontade de deixar um registro de quem ele era para o filho cuja confirmação da gravidez se deu praticamente ao mesmo tempo que o diagnóstico.
Ele optou por fazer esse registro em um vídeo diário.
É deste diário boa parte do material mostrado no documentário A Luta de Steve, que chega aos cinemas nesta quinta dia 13 de julho. Um diário sincero que intercala mensagens de Steve para seu filho e a evolução da doença. A perda dos movimentos das mãos, das pernas, a necessidade de ajuda, a perda da fala, a adaptação da casa, da família, a estas novas situações. A gravidez de Michel Marisco, o parto. Como ela tentava bravamente cuidar de seu marido e de seu filho e de como tudo isso a consumiu de alguma forma.
Não existe edição que diminua o impacto do que você vê na tela do cinema. Em alguns momentos ele nos incomoda pela crueza com que as coisas são mostradas, lembramos então de que se trata de um documentário, um a história real com pessoas reais ali, lutando, errando, vencendo e perdendo.
Desde o diagnóstico, além do registro para seu filho, Gleason também tornou sua a luta por melhores condições aos demais com a mesma doença. Se a chance de cura ainda depende de muito tempo e dinheiro – a grande verdade é que o cérebro é a parte de nosso corpo menos decifrada pela ciência – ele escolheu ajudar já e usou seu prestígio para isso: a sua fundação, Team Gleason, arrecadou dinheiro de várias formas para fornecer equipamentos como o sintetizador de voz que capta movimentos dos olhos – que já vimos ser utilizado várias vezes por Stephen Hawking – ou lhes dar a chance de realizar algum sonho antes que estejam presos de forma definitiva a uma cama, como viajar com a família ou assistir a um show de rock.
Sonhos que podem parecer pequenos, até que entendemos, assistindo ao filme, o quanto significam para quem os realiza.
Claro que o filme é recheado de movimentos tocantes, como a conversa de Steve com o vocalista da banda Pearl Jam, Steve Vader, Eddie Vader, em que este fala de como foi crescer sem seu pai e de quão importante teria sido ter um diário como o ex-jogador está fazendo enquanto ele crescia.
Em outro, quando Steve precisa de ajuda de três pessoas para ir ao banheiro, ou quando Michel se assusta com a perspectiva de ter de limpar a entrada do tubo de traqueostomia necessário para que seu marido continue respirando, você sente seu coração se apertar e você chega a pensar se a exposição não foi longe demais.
A maior dificuldade do filme talvez seja transitar entre documentário e ficção: ele é um documentário, basicamente caseiro, aonde cenas como estas que citei cabem porque mostram o que realmente é conviver com a doença. Mas também usa da ideia de “herói” no centro da trama, o homem que vence adversidades. Em alguns momentos isso incomoda um pouco, mas no geral eles passam rapidamente.
A segunda é sua duração: são 110 minutos de filme, muitos dos quais tocam fundo, portanto nos esgotam.
Particularmente eu me conectei muito à luta de Michel. Talvez seja porque eu tinha me impressionado muito com o relato de Jane, ex-esposa de Hawking, no livro A Teoria de Tudo, talvez seja porque no silêncio dela na maior parte do filme existisse tanta coisa. Uma de suas poucas frases ficou gravada para mim: “alguns me perguntam por que eu estou fazendo isso, por que não peço ajuda, eu simplesmente não pensei em nada disso, eu faço o que eu tenho de fazer, nunca me questionei sobre nada disso.”
Talvez seja a parte mais honesta do filme que nos toca, e não aquela que ganha tom pelas músicas escolhidas ou pelos recortes feitos. Se nos incomoda a vida real sendo tão “brutalmente” mostrada, a verdade é que essa é a parte que mais serve ao que acredito seja o propósito do filme em primeiro lugar: mostrar que a luta contra os efeitos da ELA é possível.
É provável que a carreira do filme seja melhor sucedida no consumo por demanda ou TV, mas o fato de algo assim chegar ao cinema no Brasil já é uma vitória – onde poucos filmes tem chance contra grandes blockbusters na escolha das empresas de cinema quando elas decidem o que vai em cada sala, ver um documentário ganhar a grande tela é muito importante. Resta torcer para que os espectadores também deem uma chance.