Eu, um show do Rush e o preço da cultura no Brasil

Há uns 10 anos atrás eu acompanhei meu marido a um show do Rush. Vapor Trails era a retomada do grupo após mais ou menos cinco anos sem discos ou shows após o baterista da banda (the new guy) ter perdido num curto espaço de tempo sua filha e sua esposa.

O grupo (trio?) já tinha quase 40 anos de estrada, mas a energia no palco era de dar inveja em muito mocinho novo. Eu não era fã, confesso. Cheguei sabendo de cor apenas Tom Sawyer, primeira música tocada, e com mais duas ou três conhecidas.

O marido era fã. Gastamos uma fortuna, acho que foram novecentos reais, para ficar na primeira fileira da pista (com cadeiras), pertinho do palco. Uma chuva torrencial caia e a gente usava aquelas capas de chuva de saquinho plástico, duas por R$ 5,00, que garantia que você ficasse molhado dentro e fora dela.

Mesmo com o rock rolando a toda e muita chuva eu consegui a façanha de dormir no show. Sim, naquelas cadeirinhas de plástico, praticamente surda com a música, chuva na cara e eu dormindo. Na semana seguinte eu descobriria que já estava grávida e que dormir em adversidades não seria mais nenhum desafio.

Então esse foi o primeiro show de rock da Carol. Ainda bebê o marido colocava pra ela o DVD do show, gravado no Rio de Janeiro, e ela curtia junto, principalmente a parte em que dragões simpáticos surgem nos telões e o fogo sobe no palco (no show eu tomei um susto e tanto neste instante e acordei para não dormir mais).

E, não à toa, ela virou fã de rock. E eu me tornei, naquela noite, uma fã do Rush.

Neste sábado os três assistiam a um especial sobre a história da banda no Multishow HD, com caras como Gene Simmons do Kiss ou o vocalista do Nine Inch Nails falando do quanto eles são bons. Ou Jack Black falando do fato de que o Rush mudou muito ao longo dos anos e por isso mesmo é tão bom de ser ouvido.

Ou o mesmo Gene Simmons falando como esses três rapazes eram estranhos no ninho porque não brigavam, não bebiam, não se drogavam e eram “família”.

Foi curioso descobrir que hoje ela tem mais fãs que no passado, quando disputava atenção com outras bandas que surgiam no rock – diz o vocalista que ela é a banda cult com a maior base de fãs que se conhece.

Foi legal ver cenas dos shows que eles fazem hoje e ver famílias inteiras chegando para assisti-los, crianças não muito maiores que a Carol. E ouvir que é isso que os fãs do Rush fazem: eles tornam seus filhos fãs do Rush.

Foi demais entender o que foi pra eles voltar ao palco em Vapor Trails e lembrar que eu pude presenciar isso.

E aí eu concluí que pode até ter sido uma fortuna, mas toda essa experiência, essa vivência, essa história que agora é só nossa, valeu cada centavo gasto. Cada centavo.

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Além da motivação óbvia de ter assistido ao especial e querer contar minha história com o Rush, pensei muito no que eu tinha visto no twitter na sexta-feira, quando foram divulgados os valores do show de Bob Dylan e MUITA gente chegou a xingar o cantor por conta disso.

Eu acho cultura em geral muito cara no Brasil. Cinema, que deveria ser de fácil a acesso para qualquer classe social, é caro. É cara uma família de 4 pessoas gastar R$ 80, R$ 100, para poder curtir o cinema e eu nem estou falando dos acessórios como estacionamento, pipoca e refrigerantes (até porque as guloseimas chegam a custar mais caro que o cinema em si se compradas por lá).

Livros são caros. Teatro idem. Shows? Entram na categoria: vou muito de vez em quando, preciso ser muito fã mesmo.

É claro que se a gente extrapolar a ideia acaba concluindo que tudo no país é caro quando comparado com lá fora – uma amigo foi para os EUA no ano passado e por R$ 200,00, preço pago por aqui em uma calça Levis bem básica, ele trouxe 4 calças da mesma marca.

A questão é que o Bob Dylan, acredito eu, não vai receber uma fortuna a mais só porque está vindo tocar aqui. Tá, tem o fator distância que com certeza afeta o valor do transporte de equipamentos e equipes, mas a maior parte dessa grana toda vai para dois bolsos: dos organizadores e do governo.

E por causa desses dois bolsos aí um monte de gente que sonhou em ver o cara não vai poder ver. E outro tanto vai se sacrificar para realizar esse sonho e ainda vai ouvir um monte por conta disso.

Eu acho sim que a gente precisa parar de pagar tão caro pelas coisas, se não elas vão continuar sendo muito caras – apesar de compreender que isso também demora a acontecer, vide a indústria do cinema que prefere culpar quem faz download de filme pela perda financeira do que olhar o próprio rabo e perceber que hoje são poucos os filmes que realmente merecem ser vistos na sala grande, que o cinema está caro e que o atendimento das salas andam perto do péssimo -, mas, como eu disse lá na primeira parte desse texto, acho que sonhos, vivências, histórias, não tem preço.

Escrito por Simone Fernandes

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

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