A difícil tarefa de criar os filhos

Outro dia entrei no elevador com minha filha, pela manhã, indo para a escola, ela acordada e serelepe.

Andares abaixo entra um casal, o filho, de idade aproximada da minha, 4 anos, dormindo no colo de um deles, desmaiado.

Ao verem minha filha acordada, ambos comentaram que o filho deles dorme tarde todo dia.

Respondo que a minha dorme às 20:00h, todos os dias, exceção apenas para festas de família, nos finais de semana.

Eles falam: “Benz’a Deus! Que bom que ela é boazinha!”

Minha resposta: Que Deus que nada, eu me trancava com ela no quarto quando ela era menor, chorando, para fazê-la dormir no horário, ela querendo brincar um pouco mais, farrear um pouco mais. Hoje ela nem discute quando eu digo que é hora de dormir, ela se desliga da televisão, encosta a cabeça em meu colo e fecha os olhos.

Ouço o apartamento da vizinha toda noite, que isolamento acústico que nada, 22, 23, 24 horas, e a menina deles chorando, falando… Isso quando não descem até a pizzaria da rua nesse horário ou recebem visitas… A menina é mais nova que a minha… Mas eles não vêm problema algum. No dia seguinte, muitas vezes, ouça a menina irrita, reclamando, ou a mãe comenta que ela dormiu fora de hora ou que não quer comer, pois está com sono.

Depois, quando alguma pesquisa ou médico fala da importância de uma boa noite de sono para o desenvolvimento de uma criança, eles fingem que não vêm.

Criar filhos não é fácil, dá um trabalhão danado e cansa ao extremo. Deixar de criá-los não deveria ser alternativa.

No Blog do Reinaldo Azevedo, link ao lado, em meio aos textos críticos de política e economia, um texto sobre pais e filho. Um belo texto. Segue abaixo:

“Pais e filhos
Pois é. Trata-se de uma luta. Tenho de disputar a Internet com um exército de adolescentes cheios do que dizer. Tudo porque, já disse, a incompetência é o pior dos reacionarismos. A rede sem fio deveria estar funcionando, e eu, indivíduo e dono de mim mesmo, deveria estar com o meu laptop. Mas tudo era menos verdade. A rede não funciona. E os infantes, de ambos os sexos, têm muito o que dizer no MSN, no Orkut, sei lá onde. Uma da manhã. Estão todos à minha volta dizendo tolices. Deveriam estar na cama. O laxismo moderno vai formar uma geração de incapazes. O que fazem garotos e garotas de 12, 13, 14 anos acordados a essa hora, com acesso à rede mundial, sem qualquer forma de controle? É evidente que impor limites não é tarefa do estado, mas dos pais. Os pais, no entanto, abriram mão de educar seus filhos. É por isso que burocratas medíocres, como o tal José Eduardo Romão, aquele do Chicabom, se assanham a ser a consciència das famílias – ao menos era esse o seu pretexto para tentar impor a censura prévia. É claro que era mentira.

Bem, mas onde estão os pais? Eu lhes respondo. Educar é uma tarefa chata. Uma parte opta pela vocação missionária, aquela chatice paulo-freiriana. Segundo esses imbecis, educar é usar o universo do “educando”, transformando-o num saber. Outros preferem abrir mão da tarefa, responsabilizando a cultura, a segunda natureza, por tudo o que acontece com as crianças. É o caso dos pais daqui. É o caso da classe média. São famílias destruídas pela vulgarização da psicologia e da psicanálise. Para estes, dizer um “vai dormir porque eu estou mandando” é uma violência terrível.

MSN, Orkut, Internet e afins são males em si? Precisamos de Romão Chicabom? Estou provando justamente o contrário. É claro que minhas filhas já estão dormindo. Se serão pessoas melhores do que estes aqui do lado, falando com outros que também estão fora do controle, bem…, isso eu não sei. O que sei é que estou fazendo a minha parte. Há coisas que cabem a mim decidir, limitar, proibir. E delas espero que se sintam um tanto contrariadas. Eu ofereço o padrão; elas entram com o desejo e a tentativa de transgressão. Não haverá uma só ultrapassagem da linha que será feita com a minha anuência, embora eu saiba que ultrapassá-la é parte do processo. O que elas precisam é da liberdade para me contar suas agruras. Precisam é da certeza de que o meu amor incondicional não implica endosso incondicional a seus atos.

Crianças precisam ouvir “não”. Trata-se de uma exigência da formação da personalidade. Mas os pais modernos têm um medo pânico de cumprir a sua função. Ontem, no café da manhã, vi um rapazola destratar o pai. Não falava alto. Estava na mesa ao lado da minha. Por isso ouvi tudo. O garoto se referia ao antigo chefe da família como um idiota, um cretino que estava ali para atrapalhar. Nada havia do necessário assassinato psicanalítico do pai. Era pura depredação da autoridade. O menino estava pronto para sair espancando mulheres em ponto de ônibus. O pai se calou. Minhas filhas acompanharam a cena. Ficamos todos um tanto envergonhados. Uma delas, quase instintivamente, levantou e me abraçou discretamente. Parecia querer me proteger daquilo. Senti-me contrangido. Aquele pai se constrangeu? Sei lá. Acho que ele também já havia perdido a noção do certo e do errado. E, quando isso acontece, tudo é permtiido.

Logo, vejam só: a Internet é um bem. O mal está na destruição da autoridade paterna. Leiam como quiserem o que vai a seguir porque não vou explicar muito: mãe foi feita para perdoar e compreender. Como Nossa Senhora, como a Maria dos católicos, como a Compadecida. O pai foi feito para reprimir, de sorte que seu abraço e perdão, mais duro e tardio, representam a reconciliação com o mundo desde o fim. Ignoro tragédia maior para a formação da psique do que um pai liberal, “bacana”, para o qual toda experiência é válida. Não é. Isso é mentira. Infelizmente, a banalização da psicologia fez isso com as nossas crianças. Muitas delas perderam completamente a referência. É disso que se ressentem os professores nas escolas, tanto as públicas como as particulares.

Tenho cá pra mim, constatação decorrente da simples observação da realidade, que as mães continuam a exercer o seu papel de Compadecida. Perdidos mesmo, deslocados na realidade, privados e expropriados de sua função, estão os pais. O feminismo não sabe o mal que fez e que tem feito à civilização. Os homens, de certo modo, se tornam maricas e fazem filhos não menos. Não. Isso não quer dizer que sejam crianças suaves, efeminadas. Muito pelo contrário. Sem a clareza do mundo das interdições, tornam-se especialmente violentas.

Pronto. O mundo da pedagorréia pode se preparar para me atacar na linha: “Quem você pensa que é para pontificar sobre educação?” A pergunta procede. Não sou nada. Apenas um entusiasta da palavra “decoro”. E certas coisas são indecorosas. Ponto. Isso nada tem a ver com moralismo. Apenas reivindico o antigo mundo da adequação. E deixo uma sugestão: “Não tenham receio de dizer ‘Não’ a suas crianças. Ele pode ser tão educativo quanto o ‘Sim’. Quase sempre, educa mais. A origem da palavra “educar” é “conduzir”. Quem conduz também reprime.

Por que essa gente não vai dormir? Porque seus pais estão com preguiça. A preguiça da paternidade. Sim! Às vezes, temo um futuro bárbaro. Contra o meu incorrigível otimismo. Vamos agora às outras formas de política.”

Escrito por Simone Fernandes

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

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