Cinema: Um Amor Impossível

Ainda no primeiro terço de Um Amor Impossível, Philippe (Niels Schneider) explica à Rachel (Virginie Efira) os três tipos de amor que ele acredita existirem: o amor conjugal, a paixão e o que ele chama de amor impossível.

Na cena, que faz parte do trailer de divulgação, ele não entra em detalhes sobre o que esse “amor impossível” significa, mas diz que é esse o tipo de sentimento que liga os dois. O olhar de Rachel demonstra claramente que enxerga isso como algo bom, seja o que for.

Rachel é uma mulher de 25 anos de uma pequena cidade que teve apenas um namoro mais sério, ainda muito nova, cobrada pelo fato de não ter se casado. Sua vida se resume a seu trabalho, sua mãe e os bailes no clube da cidade onde dança. Philippe é um rapaz charmoso, que aparenta ter viajado o mundo, fala vários idiomas e conhece poesia.

Philippe chama o amor dos dois de impossível, eu diria que a forma como Rachel se apaixona por ele é inevitável.

A diferença com que os dois olham o relacionamento é praticamente palpável na tela – seja no início, nos anos 60, seja nos anos 2000, quando Chantal (interpretada por diferentes atrizes), a filha dos dois, atinge a vida adulta. O pretenso amor de Philippe por Rachel, do outro lado, nunca nos parece real o bastante.

A conexão com a Rachel de Virginie Efira é imediata e, acredito, seja um triunfo tanto da atriz como do roteiro e direção, cujo olhar feminino é bastante real: ela tem uma força dentro de si que faz com que, a despeito de se tornar uma mãe solteira, permite que ela construa um lar para sua filha e consiga pouco a pouco um futuro melhor para as duas através de seu próprio trabalho.

Sua fraqueza é a paixão por Philippe, que aparece disfarçada em sua insistência para que ele reconheça a filha e se conecte com ela. É plausível que Rachel acredite que precisa disso para que a filha tenha mais segurança, que não conviva com o peso de ter escrito em sua certidão de nascimento “pai desconhecido”, mas a verdade é que talvez Rachel se agarre a esperança de que Philippe se torne o homem que ela acredita que no fundo ele é – e que nós, do lado de cá da tela, temos certeza que ele nunca foi.

O olhar da diretora, que escreveu o roteiro junto com Laurette Polmanss, também fica bastante claro na opção pela narração de Chantal sobre as cenas da vida de sua mãe até que ela crescesse. Com isso, além de acompanharmos a vida de Rachel, ela nos permite compartilhar da visão de Chantal para essas escolhas.

De forma muito semelhante a um livro, Um Amor Impossível, exige do espectador um comprometimento e o recompensa com uma experiência densa e ao mesmo tempo sensível, que não será facilmente esquecida, que garante momentos de reflexão mesmo depois que o letreiro final sobe.

Um Amor Impossível, drama francês com quatro indicações ao Prêmio Cesar, o Oscar do cinema francês, chega aos cinemas nesta quinta-feira, dia 22 de agosto, com distribuição A2 Filmes.

Um Amor Impossível (Na Impossible Love/ Um Amour Impossible)

França/2018

Duração: 125 minutos

Produção: Chaz Productions, France 3 Cinema, Artemis Productions, Le Pacte Voo & BETV, RTBF, Shelter Prod

Elenco: Virginie Efira, Niels Schneider, Jehnny Beth, Estelle Lescure, Ambre Hasaj, Sasha Allessandri-Torres Garcia

Direção: Catherine Corsini

Roteiro: Catherine Corsini e Laurette Polmanss, baseado no livro de Christine Angot

Produçãor: Elisabeth Perez

Fotografia: Jeanne Lapoirie

*Spoilers (para ser lido depois de assistir ao filme e eu espero mesmo que vocês assistam)

A autora do livro em que se baseou esta história, Christine Angot, é mais conhecida por seus livros autobiográficos que contam sobre os abusos que sofreu em sua infância (L’Inceste, Pourquoi le Bresil? e Rendez-vous) e a forma como lidou com isso após adulta. Por isso não é de se estranhar que, em Um Amor Impossível, nos pareça tão pessoal a forma como as duas personagens centrais lidam com o que lhes acontece e, principalmente, a forma como Chantal enxerga as escolhas de sua mãe.

Se para boa parte dos espectadores fica claro que algo na relação de Philippe com sua filha está muito errado (aquela cena da porta se fechando, com Rachel esperando no carro), é fácil entender porque isso não fica tão claro para Rachel que, tendo sido uma garota que cresceu sem pai, acredita firmemente que a presença do pai será importante para sua filha.

Além de, como eu disse lá em cima, ela também deposita a esperança de que Philippe seja o homem que ela acredita que ele é.

Sim, é impossível não refletir sobre os motivos que levam Rachel a insistir naquela relação falida, coisa que eu acredito ela só consiga fazer depois do choque de saber o que ele fazia com sua filha, mas também é compreensível, já que ela deposita ali todo o romantismo que não viveu, toda sua baixa autoestima, toda a sua necessidade de se sentir merecedora de amor.

Do outro lado, perto do encerramento do filme, é doloroso ouvir Chantal falando para sua mãe da forma como ela fala. Ainda que Rachel tenha tomado decisões erradas, ela não pode ser responsabilizada pelo que Philippe fez com sua filha, nem pelo fato de não ter enxergado o que acontecia. A raiva da Chantal adolescente poderia ser explicada de mil maneiras e sua paixão pelo pai nunca se mostrou diminuída.

Em verdade é fácil identificar comportamentos de Philippe em Chantal, ela tem bastante do pai – quando ela admira a vida que ele teve e sua mãe não lhe deu e culpa a mãe por isso, quando ela deixa o marido porque acredita que o que tem não é o bastante -, mas também não tem culpa do que ele fez.

Um Amor Impossível definitivamente não é uma obra que se encerra em si mesma. Ela apenas toca em assuntos que exigem horas de reflexão e que rendem horas de conversa. Eu não sei vocês, mas eu realmente gosto disso.

Escrito por Simone Fernandes

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

1 comentário


  1. Não conhecia a história da autora. Realmente, acrescenta uma perspectiva extra ao filme. Vi o título como uma referência também ao amor da filha pelo pai – ela tenta amá-lo, mas ele torna isso impossível.

    Responder

Deixe uma resposta