Earl Stone (Clint Eastwood) é um homem charmoso, ou pelo menos se acostumou a ser. Um veterano da guerra da Coréia, passou praticamente toda a sua vida adulta entre os lírios que plantava e as estradas que o levavam a convenções por todo país, nas quais ganhava prêmios e reconhecimento – desfilando seu charme nos corredores -, e falhando com a sua família.
Com mais de 90 anos ele se vê sem suas flores, sem sua família, sem dinheiro e sem qualquer brilho. Até que alguém lhe oferece um cartão e lhe diz que ele pode ganhar dinheiro pelas estradas, sem perguntas, apenas passando despercebido.
Um veterano de guerra branco, homem, protestante é algo praticamente invísivel, protegido por todos os pré conceitos que a cultura dos EUA carrega.
Se Earl realmente não sabia que a partir daquele momento estaria trabalhando para um cartel mexicano eu deixarei vocês decidirem por conta própria ao assistirem ao film – e vocês devem assistir -, mas a questão é que entre suas frases sem filtro, o preconceito que ele nem sabe que tem e seu jeito durão, Earl fará um excelente trabalho, tão bom que ele se tornará a principal mula a serviço dos traficantes.
Mas calma, nada disso acontece rapidamente. E poucos fazem um filme ao estilo “aquecendo aos poucos” como Eastwood. Tudo acontece devaar, vamos acompanhando as paisagens do país a cada nova viagem, ouvindo as mesmas músicas antigas que ele, quem sabe até cantarolando uma ou outra, enquanto ele calmamente conta sua história em todos os detalhes que ele considera importantes.
Seu personagem é um homem de idade, que anda lentamente, não sabe lidar com aparelhos celulares, seus ombros estão um tanto caídos. É fácil imaginar o que pode dar errado com um homem como ele se envolvendo com traficantes, na verdade ficamos esperando pelo momento em que isso acontecerá. Mas a medida que ele recebe novos pacotes de dinheiro e depois de saber exatamente o que ele está carregando em sua caminhonete, Earl vai deixando o peso dos anos lhe afetarem menos, ainda que pela primeira vez pareça estar refletindo sobre as escolhas que fez em sua vida.
Se ele procura ou encontra redenção? Em um filme como esse essa é a menor das perguntas, o fascinante é ver como um homem em tal momento da vida pode amadurecer ao ser obrigado a olhar a vida por um ângulo que ele nem sabia existir.
E quando o que acontece não é sinal de amadurecimento, o diretor Eastwood usa para fazer críticas sociais e políticas – sempre de uma forma sútil, que deixa desconfortável, mas não tenta em momento algum ser uma lição de moral. O tipo de crítica feita por uma pessoa que teve opiniões políticas fortes por toda vida e sabe bem o que deu errado.
Enquanto isso, do outro lado da trama, temos um agente do FBI (Bradley Cooper) tentando a “ação de sua carreira”, aquela que fará com que ele possa escolher seu destino e determinado a descobrir quem é a pessoa carregando quilos e quilos de drogas para dentro de Chicago.
Porém nenhuma cena do lado “da lei” terá tanto encanto como aquelas em que temos Earl no centro da história: suas interações com os traficantes com quem acaba por se relacionar, seu encontro com o chefe do cartel (Andy Garcia, sempre maravilhoso), suas conversas com sua ex-esposa (Dianne Weist entregando uma mulher batalhadora e carismática). Mesmo sozinho em seu carro, simplesmente dedilhando o ritmo de uma música em seu volante, Eastwood consegue cenas que nos plantam um sorriso no canto da boca.
A Mula é o primeiro filme desde Gran Torino em que Eastwood assume o protagonista e a cadeira de diretor e o que ele entrega é mais uma obra de arte.
Clint Eastwood dirigiu o filme a partir de um roteiro assinado por Nick Schenk, inspirado no artigo da New York Times Magazine “The Sinaloa Cartel’s 90-Year-Old Drug Mule”, de Sam Dolnick. Eastwood também produziu o filme, através de sua produtora, Malpaso, com Tim Moore, Kristina Rivera e Jessica Meier, além de Dan Friedkin e Bradley Thomas da Imperative Entertainment. Os produtores executivos são Dave Bernad, Ruben Fleischer, Todd Hoffman e Aaron L. Gilbert. Jillian Apfelbaum e David M. Bernstein foram coprodutores.
A Warner Bros. Pictures, Imperative Entertainment e BRON Creative apresentam o drama A Mula, o mais novo filme de Clint Eastwood. O veterano ator dirige e estrela o filme, ao lado de Bradley Cooper, Laurence Fishburne, Michael Peña, Dianne Wiest e Andy Garcia.
Nos bastidores, a equipe de Eastwood incluiu o diretor de fotografia Yves Bélanger e o desenhista de produção Kevin Ishioka, além da figurinista Deborah Hopper e do editor vencedor do Oscar Joel Cox (“Os Imperdoáveis”), que já trabalharam com Eastwood em diversos projetos. A música é de Arturo Sandoval.
Uma produção da Malpaso, A Mula chega aos cinemas nesta quinta-feira, dia 14 de fevereiro.