O que busca a pessoa que se coloca no parapeito do 21º andar de um prédio? Uma pessoa que aparentemente tem a vida de sonhos de tantas outras: reconhecimento profissional, uma família, um consultório elegante em um endereço caro da cidade. Provavelmente roupas e carros caros.
Este é o ponto de partida do filme O Vendedor de Sonhos, que chega às salas de cinema nesta semana, uma adaptação do livro do psiquiatra Augusto Cury publicado em 2009, tendo vendido milhões de cópias em mais de 60 idiomas.
O homem que está naquele parapeito é Júlio César (Dan Stulbach), psicólogo renomado que sente enfrentar uma dor impossível de lidar. O que o leva aquele parapeito é o desejo de que a dor pare, muito maior que o desejo de acabar com a própria vida. E neste momento o improvável acontece, um mendigo entra no prédio sem dificuldade – o que pareceu estranho, confesso – e se junta a ele ali.
Esse mendigo (vivido pelo ator uruguaio César Troncoso) se apresenta como um Vendedor de Sonhos e se oferece para vender a Júlio César uma vírgula, a representação da continuação, do amanhã, a possibilidade de seguir de outra forma. Acompanhamos então, os espectadores, a caminhada destes dois personagens por uma São Paulo linda na fotografia, com cores quentes, mas que mostra seu lado injusto e desigual.
Ao lado do lindo prédio do qual Júlio César quase se atira, uma outra cidade adormece aquecida pelo fogo em latões recortados e iluminada pelas estrelas. “Ao lado” pode soar exagerado para quem não conhece a cidade ou mesmo para quem vive protegido nos grandes condomínios de apartamento e de lá sai para prédios de escritórios também protegidos e então para shoppings centers onde não é possível ver a luz do dia, mas não é.
O contraste entre pobres e ricos é constante em São Paulo e é constante no filme, veículo para uma profunda crítica à sociedade consumista e a distância que as pessoas mais e mais tomam das pequenas coisas, do essencial. Essa crítica está nas frases do Mestre, nome pelo qual o mendigo é conhecido.
A missão de transpor está crítica para às telas foi difícil – o próprio diretor Jayme Monjardim disse, na coletiva que se seguiu à exibição da cabine de imprensa, que “este foi o mais difícil projeto de sua vida” – e em alguns momentos essa dificuldade aparece, quando o tom se torna mais professoral ou quando falta naturalidade aos diálogos – ou seria a forma de atuação brasileira?
Ou será que eu, assim como Júlio César e assim como confessou Dan Stulbach na mesma coletiva, iniciei o filme protegida pelo cinismo? Definitivamente, para que a mensagem do filme seja recebida, é preciso deixar o cinismo de lado. Não é um filme para qualquer público.
O Vendedor de Sonhos é antes de tudo um filme reflexivo. Se ele poderia ser chamado de auto-ajuda? Apesar do desgosto do autor, eu acredito que sim. Na medida que pode ser comparado com Comer, Rezar, Amar (sem romance, é claro) como um filme que nos inspira a partir da experiência vivida por outra pessoa.
Como também definido por seu diretor, ele é um filme baseado em diálogos, sendo seus personagens apenas o meio para passar sua mensagem. É através dos diálogos que entendemos o que levou os dois homens até o ponto em que os encontramos, ou melhor, é através dos diálogos que entendemos como estes se sentiram quando a vida “lhes aconteceu”.
Aos espectadores que chegarem à sala de cinema tendo o livro como referência, a tradução para a nova mídia funcionou bem, provavelmente pelo grande envolvimento do autor ao longo de toda a produção – ele visitou o set e também teve conversas com os dois protagonistas sobre os personagens.
Seja pela presença de Augusto, seja pela forma como trabalharam seus personagens – César contou ter tentado chegar ao personagem do livro enquanto Dan comentou primeiro ter trabalhado o personagem olhando unicamente o roteiro, vindo a ler o livro já durante as filmagens para obter mais detalhes sobre o que o personagem sentia, já que o roteiro é um resumo -, Mestre e Júlio César estão muito bem na tela, é possível em suas expressões identificar as dificuldades com que ambos lidam ao longo da caminhada.
O Mestre de César nos provoca. O Júlio César de Dan faz com que, em alguns momentos, nos identifiquemos.
A grande ambição do autor, que acabou se tornando também a ambição do produtor Tubaldini e do diretor Monjardim, é que as pessoas realmente sejam tocados pelo filme, um desafio em tempos em que o cinema é mais usado como fuga da realidade do que maneira de avaliar a vida real.