E pensar que eu nem ia assistir a American Crime Story graças a seu horário “madrugador” e a falta de reprises. Não fosse ter tropeçado nos episódios da série disponíveis no FoxPlay em um dia mais sossegado e eu teria deixado passar uma das melhores produções deste ano e, pior, não teria visto Sterling K. Brown, Sarah Paulson e Courtney B. Vance arrasando no que pode ser considerado a interpretação de suas vidas.
Para quem não acompanhou a série, que tem por objetivo retratar a cada temporada um grande crime americano da vida real, os 10 episódios exibidos até a semana passado retrataram os acontecimentos compreendidos entre o dia em que a esposa de OJ Simpson, jogador de futebol americano e “astro” do cinema que na época era adorado pela mídia e público, foi encontrada morta no andar térreo junto do corpo de seu namorado, Ronald Goldman, e o dia do veredicto daquele que foi considerado o julgamento do século.
Sarah Paulson interpretou a promotora Marcia Clark, Brown o segundo promotor Christopher Darden e Courtney B. Vance o advogado de defesa, e ativista negro, Johnnie Cochran.
A escolha do elenco, em verdade, foi o maior mérito da série: além dos três já citados, que TEM de estar na lista de indicações dos próximos Emmy e Golden Globes, ainda posso destacar a atuação de David Schwimmer e John Travolta como os advogados de defesa Robert Kardashian e Robert Shapiro. David, que tenta fugir da marca “Ross de Friends” que acabou grudando nele, soube demonstrar a confusão em que Kardashian sentia na vida real, dividido entre ficar ao lado de seu melhor amigo ou ceder ao fato de que ele mesmo não acreditava na inocência do jogador.
Já Travolta acabou ganhando pontos pela própria canastrice, característica que o advogado Shapiro demonstrava em suas entrevistas na época do julgamento – ocorrido entre 1994 e 1995.
Uma pena que a escolha do protagonista não tenha sido tão boa: Cuba Gooding Jr não conseguiu demonstrar na tela, em momento algum, a segurança que OJ Simpson sempre transparecia. Sua arrogância, sua certeza de que ele estava acima do bem e do mal.
Em verdade foi isso que ajudou no veredicto de inocência do jogador. Isso e a tão bem mostrada manipulação que a defesa fez do ponto de vista “ele só está aqui porque ele é negro”.
A segunda maior qualidade da série, e apesar de 1994 não estar tão longe assim, foi a reconstrução de época: roupas, maquiagens, exageros, carros, o formato e cara dos jornais, detalhes do crime, a casa de OJ, tudo é retratado com um nível de detalhe impressionante.
Finalmente, é impossível não falar do roteiro: pensem que estivemos assistindo 10 episódios, 400 minutos, de um julgamento. Escolha de juízes, conversas de escritório, depoimentos em tribunal, análise de provas. E ainda assim a série é empolgante, em momento algum você fica entediado, na verdade você sabe o final e ainda assim anseia pelo próximo episódio.
Algo que nos leva aos tensos momentos que tomavam Los Angeles quando tudo aconteceu: dois anos antes do assassinato, os EUA haviam sido chacoalhados pelo julgamento de dois policiais inocentados após terem matado um negro sem motivo – não faltaram divulgações de vídeos do crime para comprovar que eles haviam usado força desnecessária.
Isso, mais a péssima escolha da principal testemunha de acusação, um policial com histórico de violência e racismo e que havia feito o favor de dar péssimas declarações a uma aspirante a roteirista, fizeram com que a evidente culpa do réu ficasse atrás de uma névoa. Entrevistas, envolvimento de personalidades importantes para a comunidade negra e o erro da promotoria custaram um veredicto de culpado que no primeiro momento parecia fácil de ser conseguido.
A série, então, mostra os detalhes que passaram despercebidos a quem não estava envolvido diretamente no julgamento e que provavelmente foi surpreendido pela revelação do veredicto da mesma forma que as cenas reais das ruas usadas no último episódio – uma ótima sacada, diga-se de passagem.
As cenas também deixam claro, ainda, como a comunidade negra, e Johnnie Cochran em especial, consideraram aquele veredicto uma vitória sobre a violência policial que vinham engolindo há muitos anos.
E deixa o questionamento: é certo deixar um assassino sair livre, ainda que isso sirva a uma causa maior?
P.S. O roteiro, excelente, foi baseado no livro The Run of His Life, de Jeffrey Tobin.
P.S. do P.S. OJ, alguns anos depois, escreveu um livro chamado If I Dit It (E seu eu fiz…), no qual conta como teria matado a ex-mulher e o namorado caso tivesse cometido o crime. Me diga qual o nível de cara de pau de uma pessoa como essa? Ou de psicopatia.
P.S. do P.S. do P.S. A cena final de OJ, que ilustra este texto, na verdade reflete algo que somente depois ficaria claro para todos, inclusive para OJ: ele pode ter saído livre, mas não saiu inocente. OJ viu todos os seus amigos se afastarem, Kardashian foi um que cortou relações com o jogador, e perdeu os privilégios que tinha como jogador de sucesso. Após alguns anos ele deixaria Los Angeles, mas mesmo fora da cidade nunca mais conseguiu que sua vida “desse certo”, acabando preso por roubo. Em 2017 ele poderá tentar a condicional.
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eu até estava gravando mas os dois primeiros episódios teve problemas e não foram gravados, então desapeguei
vou torcer para que o FX reprise … sonhar não custa
mas eu mesma estranhei a indicação do Cuba no papel de OJ