A velha escola, o novo método e o desconfortável quadradinho para cada um

Eu sempre penso muitas vezes antes de escrever qualquer coisa relacionada a minha filha. Afinal, uma coisa sou eu escrevendo sobre meus tombos, mancadas e vergonhas e outra será ela colocando seu nome no Google no futuro e descobrindo que contei seus segredos na rede mundial de computadores ou se envergonhe ou fique marcada por algo que falei.

Do outro lado, também não quero que ela tenha uma imagem falsa para alcançar lá na frente, com todo mundo achando que ela é perfeita. Ninguém é, ainda que para mim ela seja exatamente do jeito que tem de ser – exceção feitas para aqueles minutos diários em que eu penso que deveria ser mãe apenas de cães e gatos – e ela tem o direito de viver sua vida sem ter que atender a expectativa superestimada de alguém.

Então tudo que falo sobre ela passa duas vezes pelo triplo filtro “verdade – bondade – utilidade”  de Sócrates e esse texto passou.

Ele vale como reflexão minha sobre o que vi e também como alento para pais que passem pelo mesmo e achem que são os únicos – porque eu bem procurei textos legais sobre o assunto por aí, mas tirando reportagens superficiais sobre o tema ou que prometam soluções mágicas e caras, bem, não achei nada.

"Todos somos gênios. Mas se você julgar um peixe por sua habilidade em escalar uma árvore, ele passará a vida toda acreditando que é estúpido."
“Todos somos gênios. Mas se você julgar um peixe por sua habilidade em escalar uma árvore, ele passará a vida toda acreditando que é estúpido.” Albert Einstein

Olhe pelo seu ombro e lembre de você na escola. Você lembra de como ela era, das cadeiras de madeira, do “decoreba”, das dificuldades, dos amigos ou você colando, do passar de raspão ao final do ano?

Bom, se você olhar como as coisas estão hoje eu lhe garanto: pouca coisa mudou. Sim, a maior parte das escolas adotou algum sistema pronto de ensino – Anglo, Objetivo, Pitágoras – e hoje usa aquelas horríveis apostilas que eles chamam de livros e que pouco tem de fluidez e sentido.

A adoção de um sistema assim facilita da vida de quem administra a escola, que não precisa ficar escolhendo livro a livro para cada matéria, pensando de forma solta no planejamento das aulas. Eles já sabem tudo que terão de fazer ao longo do ano enquanto os pais pacientemente preenchem os três cheques de pagamento do material anual em fevereiro.

Porém, e vocês podem aí me corrigir se eu estiver errada, eles vão e colocam esse “algo novo” na mesma estrutura velha, com professores que poucas vezes passaram por uma atualização e que não aprofundam as superficiais lições das apostilas, na verdade deixam as coisas do jeito que estão, passando pela apostila como muitos passam por aquela quadra nada bonita da avenida principal do bairro.

Alguns alunos se saem bem e muitos pais trabalhando como loucos para garantir a viagem de fim de ano dão graças aos céus por isso. Outros vão levando, não chegam a dar trabalho e então fica tudo bem. Se eles todos ficarão bem no futuro nenhum de nós sabe direito, porque na verdade não existem garantias nem quando a escola é sensacional e as crianças tem duzentas e noventa e cinco atividades extras modernas e caras para fazer.

Na vida, apenas uma garantia, a morte. E no caminho entre o nascimento e ela, bem, tudo pode acontecer.

O que eu estranho mesmo é que, sistema novo ou velho, escola cara ou barata, algo se repete: todos precisam encaixar direitinho em um quadradinho.

Eu já falei aqui das dificuldades da Carol em uma escola e o quanto nos sentimos vulneráveis quando descobrimos a falta de suporte que ela vinha tendo. Escolhemos uma escola menor, nos sentimos mais seguros, mas dois anos depois ela fechou. Acabamos optando por uma não tão pequena, nem tão grande e vamos levando.

Minha presença em casa fez uma enorme diferença – e me fez concluir que, definitivamente, essa história de o que importa é a qualidade de tempo e não a quantidade de tempo que faz diferença na educação dos filhos é parcialmente verdade, porque se cada criança é uma, suas necessidades também são e algumas simplesmente precisam mais do que outras – mas ainda assim voltamos a ouvir o “ela não tem déficit de atenção?” ou o “ela não tem dislexia?’ outras vezes por conta das dificuldades dela.

Nesse meio tempo ela teve acompanhamento de uma psicóloga e fizemos mais de uma avaliação apenas com o objetivo de levar um laudo para a escola, já que tínhamos certeza de que ela não tinha nada disso, e então eles parassem de tentar encaixá-la em um quadradinho chamado “criança com deficiência de aprendizado”.

Carol não tira notas dez, mas costuma se sair muito bem nas provas de recuperação. E depois de muita, muita, avaliação sabemos que ela tem uma maior dificuldade no processamento da informação, nome chique que psicólogo e neurologista dá para o fato de que ela precisa de mais tempo que a média das crianças para entender um problema de matemática, por exemplo, e que ela precisa ler mais vezes para decorar aqueles nomes das capitanias hereditárias de que não me lembro mais. Não, isso nem é diagnóstico, é apenas constatação mesmo.

Não sei vocês, mas lembro de vários amigos e primos que tinham dificuldades, alguns ficavam de recuperação de final de ano, outros repetiam de ano, e nenhum deles precisou de diagnóstico ou caixinha para seguir a sua vida.

Na verdade, o que eu lembro deles e vejo muito na minha filha, é a facilidade de fazer certas coisas e dificuldade de fazer outras. E que as escolhas de suas vidas acabaram guiadas por isso, porque afinal quando é mais fácil a gente também acaba gostando mais de fazer – a não ser que você seja masoquista.

Ela com certeza odeia textos longos, mas aprende músicas de ouvido, melodia e letra, com uma facilidade absurda. Ela faz contas de matemática bem rápido, mas demora a saber se é essa ou aquela operação que vai dizer quanto sobrou de troco em uma compra de três coisas com desconto de 20% em que ela deu quatro notas de cem reais e duas de cinquenta.

Ela adora o teatro e a dança, mas realmente demora a decorar os órgãos do sistema digestivo completo.

O problema é que, mesmo depois de Einstein ter mostrado para gente que genialidade vem das mais diferentes formas, o sistema de ensino, com ou sem apostila, escola particular ou do governo, continua avaliando todo mundo da mesma forma.

Aí eu olho com um pouco de inveja os americanos aprendendo economia doméstica e marcenaria na escola, ainda que o sistema deles também não seja perfeito, e fico maravilhada ao descobrir uma mãe que resolveu educar os filhos em casa após perder a fé no sistema formal e isso ter dado certo.

Então, se você olha para os resultados do seu filho na escola, ou sofre com ele as dificuldades de não tirar dez em inglês ou errar se aquela palavra é com x, ch ou se o s tem som de z – gente, quanta coisa complicada – eu só queria dizer que você não está sozinha.

E dizer para você não perder de forma alguma a certeza de que tudo vai dar certo, até porque, nem para “o certo” tem modelo válido para 100% da população.

Finalmente, eu queria dizer que, enquanto estão procurando uma caixinha para seu filho, neste ano descobrimos o Kumon e, olha, em apenas dois meses ele já fez uma diferença imensa na nossa vida. Carol está mais focada e é visível a melhora em sua leitura – o que já diminui a quantidade de matérias em que ela ficou de recuperação bimestral e aumento as notas nas provas em geral.

Então, ao invés de tentar achar um diagnóstico para as dificuldades de nossos filhos, a gente precise mesmo é estudar junto, contratar um professor particular para as dificuldades pontuais, procurar pelo Kumon para uma ajuda de longo prazo, ter paciência, não cobrar demais.

Aceitar diferentes rendimentos e manias e, simplesmente, não se preocupar tanto.

Algo em que nossos pais, ao que parece, se saíam melhor que a gente.

P.S. E, se tiver tempo, acompanhe as colunas mensais do Lucas Tauil de Freitas, na revista Vida Simples, que está criando, junto com a esposa, os filhos em um veleiro pelo mundo.

Escrito por Simone Fernandes

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

2 Comentários


  1. Oi, Simone!
    Parabéns pela compreensão que tem das limitações da Carol. Acho que nas horas extras, ela poderá direcioná-las ao que gosta realmente, como forma de recompensa. Às vezes a escola é um atraso na vida da pessoa, pois a limita a um tipo de aprendizado que não favorece a criatividade. Meu filho sempre reclamava disso e diz que a escola formata robôs… Mas tá certo, tem gente que é robô a vida toda. Nós queremos mais!
    Boas festas para você e seus amadinhos!
    Beijus,

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