Não existe almoço grátis

Com certeza você já ouviu a expressão do título. Ou ainda: quando a esmola é demais, o santo desconfia. Nos dois casos o ditado vale como alerta: desconfie das “maravilhosas oportunidades” quando elas parecerem tão boas que são irreais.

Então desconfie de preços absurdamente baixos. Sim, como eu disse no meu texto anterior sobre consumo, a escalada de preços no Brasil faz com que em certos momentos acabemos por perder a noção de barato e caro, ainda assim podemos ter noção do que é razoável.

O preço final de um produto é composto por: matéria-prima, mão-de-obra, despesas (o que não está diretamente relacionado ao produto, mas necessário para que ele exista como infraestrutura, áreas administrativas, embalagem, comissões, frete), impostos e lucro.

O lucro acaba sendo regulado pela demanda, ou seja, pelo quanto às pessoas estão dispostas a pagar para ter aquele produto menos o que o empresário ou artesão pagou para fazê-lo.

No meu texto anterior eu citei como exemplo uma calça jeans que pode custar R$ 79,00 em uma loja fast-fashion e R$ 500,00 numa loja “de marca”. O custo das duas pode não ser tão diferente assim – com os senões que já citei de diferenças na matéria-prima e outras – mas definitivamente as pessoas estabelecem limites ao que estão dispostas a desembolsar em cada uma dessas situações.

Eu duvido que o cliente contumaz de uma fast-fashion se disporia a pagar R$ 500,00 por uma calça jeans, certo? Você, eu e quase todo mundo estamos dispostos a pagar mais por algo cuja qualidade seja diferenciada ou, ainda, que nos diferencie dos demais – e cada um tem seu limite para cada um desses casos.

Os impostos tem péssima fama no país. Nosso sistema tributário é tão complexo que temos contadores especializados somente neles – e outros especializados em encargos, outros nas exigências de informes e relatórios etc. – e eles definitivamente são mal empregados, o que só piora a má fama, mas vamos dizer assim que eles não representam 80% do preço final de um produto como alguns querem fazer crer.

camisa branca

E o custo? Bom, vamos pegar como exemplo uma camisa de algodão, que pode ser encontrada por US$ 7 no portal de consumo que citei no texto anterior e que é febre entre o pessoal. Isso dá aproximadamente R$ 17,00 e a maioria das lojas do portal não cobra frete, o que significa que embutiram essa despesa no preço final delas.

Pensem comigo (e estou usando somente números redondos para facilitar a conta): o metro do tecido de algodão para uma costureira sai por volta de R$ 20,00 – sim, você consegue encontrar alguns tecidos por R$ 10,00 se procurar bastante, comprar em grande quantidade e pagar à vista, mas você também poderá pagar R$ 80,00 por um tecido exclusivo e diferenciado, os tais R$ 20,00 são apenas uma média. Para uma grande confecção, que faz suas compras em grande quantidade diretamente da fábrica, eles poderão pagar R$ 5,00 o metro.

Considerando que 1,20 metro de tecido fosse suficiente para uma camisa – de novo: arredondando, se tivermos um tecido estampado precisaremos de mais tecido para que a estampa “bata”, se a camisa for de tamanho maior, idem – temos que apenas em tecido o custo fica em R$ 6,00. Temos ainda a linha, etiqueta, entertela para a gola e os botões e estou desconsiderando qualquer perda. Vamos fechar então em R$ 7,50 de matéria-prima.

Temos agora a mão-de-obra: o piso salarial de uma costureira na cidade de São Paulo é de R$ 1.016,97 e sobre ele a empresa paga encargos, benefícios e impostos. Considerando que ela tenha benefícios básicos como vale-transporte diário, um ticket refeição de R$ 15,00 e um plano de saúde de R$ 150, mais os encargos, o custo dessa funcionária para a empresa sobe para R$ 2.104,39.

Ela trabalha em média 220 horas mês, o que nos dá um custo/hora de R$ 9,56.

Essa é uma boa hora para você saber quanto você custa por hora, não é? Sugiro esse site aqui , em que você pode estimar quanto na verdade custa para sua empresa. Depois disso você pode avaliar melhor se a costureira está ganhando pouco ou muito, ok?

Então vamos lá: R$ 7,50 de matéria-prima mais R$ 9,56 de mão-de-obra – estou considerando que ela levará uma hora para fazer uma camisa, evidentemente que costureiras mais experientes levarão menos tempo, mas elas também custam mais – até aqui temos R$ 17,07 de custo.

Para um cálculo mais apurado eu ainda precisaria incluir na conta: gastos com energia, água, aluguel, condomínio, equipe de vendas, departamento pessoal, contabilidade, financeiro e os custos da embalagem e frete. Tem também a taxa que o vendedor deixa com a empresa de cartão de crédito, já que esse foi o modo utilizado para pagamento, e a própria taxa que o portal cobra de quem anuncia ali. Mas acho que o que temos até aqui já está de bom tamanho.

Lembram o valor da camisa lá no portal? R$ 17,00. Ou seja, ela mal paga a matéria-prima mais a mão-de-obra aqui no Brasil e olha que até aqui a gente não colocou nada de impostos e nada de lucro. Não estou falando de uma costureira que faz trabalho artesanal, a partir de suas medidas, porque essa leva um dia todo para fazer a tal camisa. Não estou falando de nenhum tecido diferente, nenhuma estampa exclusiva. Estou falando do básico mesmo.

Vocês acham que tem algo de errado? Com certeza! Ou eles estão usando uma matéria-prima absurdamente, absurdamente, mais barata que a nossa ou uma mão-de-obra muito, mas muito, mal remunerada.

Pensou em trabalho escravo? Eu também. Seja trabalho escravo envolvido na produção do tecido usado naquela camisa, seja trabalho escravo usado na confecção da mesma camisa.

Pensou em sonegação de impostos? Sim. Encargos trabalhistas e impostos.

Pensou que tem algo de errado? Gente, claro que tem!

Como eu disse lá em cima: não existe almoço grátis! Não existe mágica.

E, olha, você nem precisa fazer todo esse cálculo que eu fiz agora, basta você comparar: o que você consegue comprar com R$ 17,00 hoje? Se te oferecerem R$ 17,00 por uma hora do seu trabalho, você vai achar muito ou pouco?

Você pode me falar que, ainda assim, muitas vezes não conseguimos identificar se as próprias confecções nacionais ou lojas de departamento também não usam trabalho escravo em solo brasileiro e isso é verdade.

Só que, aqui perto fica muito mais fácil você identificar o desvio e pensar antes de comprar. Na realidade, a gente tende a ser muito mais “chato” com esse assunto quando está falando de alguma empresa em solo brasileiro, mas deixa essa parte para lá quando os olhos brilham ao encontrar a bolsa dos sonhos por apenas dez doletas na internet.

Ainda: só o trabalho escravo justifica essa diferença de preço? Com certeza não. Existe o comércio de itens roubados ou o desvio de produção – caso em que uma marca terceiriza sua produção e a confecção responsável desvia peças alegando perdas por erros e então as vende diretamente ao consumidor final com a etiqueta da marca, que muitas vezes pagou pelo tecido e mão-de-obra e não recebeu o produto pronto.

Em tempos que repetimos que informação é fácil para todo mundo, nada justifica que quem tem acesso mais fácil a ela não pense nisso quando acha sensacional a economia que fez ao comprar algo, que não pense que, do outro lado, mesmo que distante, alguém está pagando o que ele não pagou de alguma forma.

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

7 Comentários



  1. Excelente esse texto. Como comentei no outro texto seu, é desumano pensar que algumas pessoas estão sendo explorada apenas para o bel prazer de outras. Precisamos nos atentar a preços baratos demais!

    Abraços!

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    1. Não só aos preços, e Bruna, mas avaliar se realmente precisamos de algo, quanto e nosso orçamento vamos destinar a este desejo. Exercitar mesmo o pensamento. Abraçao!

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  2. Trabalhei sete anos como compradora no ramo industrial e essa é uma prática muito comum, ou porque se vende com markup mais baixo para ter lucro na grande quantidade vendida, prática legal e super comum no Brasil, ou temos a concorrência desleal, o famoso “dumping”, onde a empresa vende por um valor muito abaixo do seu valor de custo para ganhar clientes e posteriormente praticar valores acima do mercado.

    Nada é de graça, nunca será, o que acontece é que a publicidade da nossa sociedade de consumo faz com que tenhamos a ilusão que estamos levando vantagem em levar um produto em promoção, exemplo atual ocorreu na terça-feira onde derrubaram o servidor de uma editora, porque os livros estavam com 70% de desconto por causa do jogo do Brasil, tenho certeza que 60% dos que compraram os livros não tinham interesse na compra, mas o fizeram pra levar vantagem, mas isso não significa que descontos são ruins, descontos servem para desencalhar estoque e todo estoque parado é dinheiro perdido, e podem ser fruto de redução de imposto que acontece de tempos em tempos com a indústria e com as importações, também podem ser fruto de uma estratégia de captação de clientes, nada muito demoníaco ou relacionado com trabalho escravo.

    Grandes confecções devem importar tecido, ou seja, pagam muito menos do que R$ 5,00 o metro, digo, pois já trabalhei bastante com importação de commodities e seu eu pagava $2 por aço, que dirá por tecido.

    Sua posição é bem colocada e real, mas nem toda promoção tem haver com desvio de cargas, contrabando ou trabalho escravo, espero agregar conhecimento, pois foi o que vivenciei nesses sete anos de profissão.

    Beijo Grande!

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    1. Olá Vanessa, tudo bom? Realmente esse caso da livraria ilustra bem o consumismo que marca essa época.

      Porém eu não disse que o desconto é ruim, mas sim que precisamos avaliar o quão razoável é o preço que pagamos por algo, assim como a indústria pode pagar menos que cinco reais pelo metro do tecido, existem vários custos que não coloquei na minha conta como citei.

      Já a comparação ene aço e tecido não é válida: aço é um comoditie, cujo preço é sujeito a regras de mercado diferentes.

      De qualquer forma, no meu exemplo eu ressalto a comparação com produtos acabados comprados através de sites que congregam, em sua maioria, lojas chinesas, cujas condições de trabalho são bastante conhecidas.

      Obrigada por compartilhar sua experiência!

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  3. Simone, fiz uma postagem do seu texto em um grupo ótimo no FB e te digo que rendeu pano pra manga! No melhor sentido!
    Vim dividir com vc o que postaram de bacana, pois pode te interessar…
    Vc já conhece o Fashion Revolution? Pois bem, tem gente que parece está disposta a achar confecções eticamente responsaveis. Vale ficar de olho! tem lá no Fb tb!
    Bjs
    Amei seu trio de textos sobre o consumo!

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