Nem tudo cabe em um rótulo

você cabe em um rótulo?

Parenthood é uma série americana centrada em uma família e seus dramas diários. Ao contrário de Brothers&Sisters, em que os dramas eram ao estilo “meu mundo caiu”, a série trata com sensibilidade ímpar os dramas pequenos, que conhecemos tão bem, como a dificuldade em aceitar pequenos fracassos e recomeços, descobrir novos caminhos mesmo já sendo maduros, ver os filhos partindo ou fazendo escolhas com as quais não concordamos, encarar que amor de vida real é diferente dos livros e do cinema.

Um das mais felizes tramas da série é a história de Max, um agora adolescente, filho de Kristina e Adam e diagnosticado com Asperger ainda pequeno. Na temporada passada, a quarta, ele fica mais próximo de Hank, um ex-namorado de sua tia que tem dificuldades de relacionamento. A associação entre as limitações de Hank e o Asperger de Max é feita facilmente pelo público, mas não tão facilmente por Hank, o que aconteceu apenas no último episódio da série exibido nos EUA.

Além de fã da série eu acompanho o tumblr oficial e neste texto, publicado logo em seguida ao episódio, o psicólogo Roy Sanders explica melhor porque foi confortável para Hank se identificar com Max, ainda que isso pudesse significar que ele tem Asperger, pelo fato de que ele poderia dar um “nome”, um “diagnóstico”, um “rótulo” para comportamentos que tornaram sua vida bastante complicada ao longo dos anos.

Ainda assim, ele não pode ser diagnosticado com Asperger por apenas apresentar algumas das características dos portadores, assim como nem toda criança que troca letras tem dislexia ou nem toda criança com energia de sobra tem déficit de atenção.

Fomos de um mundo sem “explicações”, aonde crianças com as dificuldades ou portadoras de dislexia, por exemplo, eram rotuladas como crianças problema por não serem corretamente diagnosticadas, para um mundo em que parece que todo mundo deve ser encaixado em um rótulo.

Vejo um sistema de ensino em que educadores tem dificuldades em lidar com diferentes níveis de envolvimento e interesse de seus alunos, partindo logo para a busca de um diagnóstico em que exista uma solução “sem esforço” ao invés de tentar envolver a todas em projetos realmente interessantes – e vejo no uso de apostilas boa parte do problema – além de muitos pais perdidos em meio a tantas possibilidades, alguns até envergonhados por não saber o caminho a seguir.

Sim, agradeço o fato de que hoje existem meios de se diagnosticar quem realmente tem uma dessas limitações e mais ainda por existirem alternativas de ensino para isso com provas especiais e sistemas de estudo diferentes, mas me preocupo com a cada vez maior dificuldade que temos, todos, de lidar com as diferenças. Nem toda criança é primeira aluna da sala, assim como nem toda é a melhor em esportes ou aprende uma segunda língua com facilidade.

Alguns terão gosto pela leitura, outros acharão um tédio matérias longas, alguns vão adorar o teatro, outro passarão por um sem número de atividades,  começadas e abandonadas, antes de descobrir o que realmente gostam de fazer. Alguns serão ótimos alunos, não tão bons profissionais no modelo “tradicional” da coisa, outros apenas no trabalho poderão mostrar seu potencial. Alguns serão empreendedores, outros artistas.

O problema é que todos precisam “se encaixar” num modelo bastante amarrado de ensino e de avaliação de potencial e realizações desde muito cedo – exceção feita, com honras, para a pedagogia Waldorf – e ao longo do caminho enfrentarão inseguranças, sensação de não pertencimento e vergonha. Se na fase infantil isso pode resultar em sofrimento, afinal crianças podem ser realmente cruéis, na fase adulta isso pode significar a constante sensação de incompetência.

Acho importante, então, o exercício diário de lembrar que cada um é um conjunto de capacidades, qualidades, características, único e que devemos buscar não a perfeição, mas o caminho mais suave em meio a tantos obstáculos. Faço isso não porque sou demais, mas porque isso é preciso para me manter sã e desviar de comentários depreciativos de todo tipo – ainda mais hoje em dia em que todo mundo tem tanta opinião sobre o que é certo ou sobre como deve ser.

E isso me ajuda também a olhar com melhor olhos para a minha filha, a enxergar nela algo muito além de notas em um boletim, uma medalha pendurada na estante ou um futuro seguro, mas um conjunto de características único que poderá alcançar o que quiser, desde que saiba reconhecer o que tem de mais rico e coloque seu coração no lugar certo.

P.S. Parenthood deixou de ser exibido no Brasil por alguns anos, motivo pelo qual parei de escrever sobre a série para o blog, mas voltou a ser exibido pelo GNT no ano passado. Como a exibição é diária eu acredito que logo logo eles alcançam a nova temporada.

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

3 Comentários


  1. Si, lindo texto.
    Concordo com sua lógica de pensamento, e não só as crianças são rotuladas, mas hoje tudo e todos precisam ter sua tag. E quando a gente, adulto, não se encaixa, fica dando cabeçada se perguntando o que está errado: a gente ou o mundo, rs.
    Um beijo pra você e para a Carolinda 🙂

    Pri

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    1. E o mais engraçado é que o que mais se ouve é gente falando que é preciso sair da caixa, não é mesmo? Acho que estamos cada vez menos tolerantes. Beijos vizinha!

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  2. Tenho um filho com a Síndrome e gostei do texto, embora tenha que fazer uma nota muito importante. Creio que nem sempre o discurso de uma pedagogia particular vai determinar sua habilidade em lidar com as diferenças. Meu filho estudou em Escola Waldorf onde havia resistência na busca pelo diagnóstico e onde ele era cobrado de uma forma que não conseguia compreender. Julgava a escola “violenta” e não tinha nenhuma vontade de ir para a aula. Embora eu tenha aprendido muitas coisas e absorvido hábitos muito saudáveis durante o período em que convivemos nesta escola, também convivemos com uma forma meio arbitrária e impositiva de comportamento às crianças que me parecia muito contrária ao que é pregado pela Pedagogia em questão, de respeito e cuidado com as diferenças. Embora eu gostasse muito da proposta solidária do discurso da escola Waldorf, tiramos ele desta escola e hoje ele tem outra relação com o ambiente escolar. Acho importante registrar porque essa foi nossa experiência, diferente de outros relatos maravilhosos acerca da Pedagogia. Nem sempre nossos filhos estão felizes em escolas deste tipo, ou seja, nem tudo cabe em um rótulo.

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