Um outono brasileiro

Foto de Miguel Schincariol para a AFP
Foto de Miguel Schincariol para a AFP

Ontem São Paulo e outras cidades brasileiras foram tomadas pelo povo. Perguntam: mas qual o objetivo? Qual a causa? Estão protestando só por protestar, dizem outros.

Acho mesmo que ontem não havia uma causa – não é só por causa de R$ 0,20 – e nem acho que estavam todos adormecidos até aqui, talvez por conhecer muita gente que milita nos mais diversos grupos, cada um lutando por um ou vários direitos específicos. O que eu acho é que, se os R$ 0,20 foram o estopim, a violência policial e a tentativa de calar um único movimento fez com que o povo brasileiro mostrasse que a rua é deles. Assim como o Congresso Nacional.

O Brasil é um país carente de tanto, tem tanta gente sofrida, tem tanta coisa por mudar. E todas são prioridade, aí é que está o problema.

Disse Léo Jaime em seu twitter que o que queremos é que nossos governantes tenham vergonha na cara, e ele está certo.

Disse uma amiga que o que queremos é que quando a eleição chegar a gente não seja obrigado a votar em qualquer um porque não tem um candidato que preste e ela também está certa.

A questão é que somos um país novo em sua democracia que se calou cedo demais. Os milhares de manifestantes que tomaram as ruas ontem poderiam não estar adormecidos, mas suas vozes não eram ouvidas assim tão alto há muito tempo.

Eu acredito, a despeito eventuais “erros” que alguns já apontam hoje nas manifestações de ontem, o que aconteceu ontem foi lindo, foi atípico, tem um significado maior que uma única causa porque lembrou mesmo quem estava em casa assistindo a uma mídia que não conta tudo de que ainda é possível mudar, que a gente não precisa simplesmente engolir tudo que “está aí”.

Ver o povo se unindo para a mobilização, advogados se oferendo para ajudar quem fosse eventualmente preso, médicos e enfermeiros se dispondo a ajudar quem precisasse, mulheres se oferecendo para cuidar das crianças de outras mulheres, até de desconhecidas, o WiFi liberado, os panos brancos na janela. Gente, quando é que você viu tanta gente com um mesmo objetivo, comemorando sem ser porque o Brasil foi campeão em uma Copa? Uma amostra de que se a causa é justa, poxa, vai aparecer gente sim para lutar junto com você.

Que a tomada das ruas seja apenas o início da mudança, que cada um agora pegue sua bandeira e corra atrás. Que lute nas ruas, nas urnas, nas reuniões com os amigos. Que faça com que os demais encontrem também suas causas.

Que faça com que as tais atitudes individuais – o lixo jogado na rua, o suborno para o guarda, o furar a fila, a carteirinha de estudante falsa – sejam tão mal vistas que ninguém mais tenha coragem de evocar o “jeitinho brasileiro”.

Porque se a força que se viu ontem realmente for usada dia a dia o Brasil vai deixar de ser a promessa de um país do futuro e será o país em que todos queremos estar no futuro.

A quem estava na rua ontem o meu muito obrigada por, através de suas vozes, representar esse meu desejo e que a vontade não pereça.

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

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