A mãe e o mercado de trabalho

Há uns quinze anos, mais ou menos, eu começava a trabalhar para uma grande empresa de auditoria, uma multinacional. Lembro até hoje do primeiro dia, uma coisa meio lavagem cerebral, com direito a Simple The Best tocando alto e todos os novos pica-paus (pessoal de primeiro ano) sendo recebidos por gerentes e sócios, todos elegantes e sorridentes.

Eu amava ser auditora, muito. Fazendo isso eu conhecia muitas e muitas pessoas, empresas que faziam coisas diferentes, a cada dia aprendendo uma coisa nova. Fiquei por lá por cinco anos e quando saí não foi por falta de amor ao que eu fazia, mas porque eu não via muito futuro para mim ali.

Não que eu não me sentisse competente ou algo do tipo, era reconhecida por meu trabalho, elogiada, promovida, mas a empresa não tinha uma sócia que fosse, apenas homens, e eu sabia que não era simplesmente machismo, eram escolhas pessoais.

Porque se tem uma carreira em que o serviço não diminui a medida em que se cresce na hierarquia é a de auditor: o trabalho continua grande, você apenas ganha mais.

E ser mãe como trabalhando 18 horas por dia, cada semana em um lugar diferente da cidade ou do país, trabalhando muitos sábados e domingos? Eu achei difícil conciliar as duas coisas e acredito que muitas moças também acharam, motivo pelo qual eu não via nenhuma sócia.

O tempo passou, tive minha filha, passei um ano corujando seu crescimento, voltei ao trabalho como consultora, em ritmo reduzido, quando recebi uma proposta para retornar a auditoria, em outra grande empresa internacional.

Lembro-me de falar para a consultora de recursos humanos que eu tinha uma grande preocupação com minha qualidade de vida e que eu não via compatibilidade entre isso e a vida de auditora. Ela disse que as coisas tinham mudado, o sócio que conversou comigo em seguida também disse isso. Para provar eles me pediram que eu conversasse, ainda, com uma sócia, para eu ver como as coisas estavam melhores.

Depois de uns vinte minutos de conversa eu já sabia que a sócia podia chegar mais tarde em dia de rodízio, porque tinha montado um escritório remoto em casa, que também usava para trabalhos extras após as crianças estarem na cama. E também sabia que ela tinha o plano A, o B e o C – uma babá e uma empregada, o marido com horários flexíveis e trazer a mãe do Rio de Janeiro  se necessário.

Ou seja, a maior compatibilidade entre qualidade de vida e a profissão não era menor exigência da profissão, mas a possibilidade de trabalhar de casa e ter dinheiro para pagar toda uma estrutura extra para estar com seus filhos quando ela não poderia estar.

Agradeci a oportunidade e passei adiante – continuei ganhando menos, mas com flexibilidade de verdade, podendo pegar minha filha na escola todos os dias as dezoito horas.

Vejam bem, eu não estou criticando a escolha dela, tenho amigas com escolhas semelhantes e desde que elas se sintam plenas desta forma, é válido. O que eu critico é a ilusão de flexibilidade, o que eu critico é a ilusão de que existe um padrão de como um (a) funcionário (a) deva ser para ser considerado competente.

Há tempos eu não pensava nisso, mas foi impossível não fazê-lo ao ler este excelente texto da Zel em que ela questionava a ilusão de que hoje existe um maior balanceamento entre vida pessoal e profissional.

A grande verdade é que uma minoria das mulheres hoje pode contar com horários realmente flexíveis e empresas que reconheçam seu trabalho pelo que você entrega e não pelas horas que você fica dentro das quatro paredes do escritório.

A maioria sua a camisa para dar conta da jornada dupla, nem sempre com o correspondente financeiro que permita ter garantidos os planos A, B e C. Conheço casais em que cada um optou por um horário de trabalho: um entra mais cedo para deixar a filha na escola no início do dia.

Muitas se sentem pressionadas a se provar mais ainda, a não faltar no dia em que o filho tem febre ou sair mais cedo para aquela apresentação da escola apenas para provar que são tão disponíveis quanto o colega da cadeira ao lado.

Eu, que na auditoria aprendi a trabalhar por “projeto”, em que eram determinadas as tarefas a serem realizadas e quando deveriam ser entregues e com cada membro da equipe fazendo seu horário de trabalho (eu madrugava, tinha um colega que não chegava antes das dez, mas não saia antes das nove da noite), acredito fielmente que esse é o melhor jeito de trabalhar, acredito que uma pessoa deva ser avaliada pela qualidade de seu trabalho e não pelas horas cumpridas na semana.

Eu, mais que isso, acredito que deva existir um modelo mais humano de trabalho em que as pessoas possam ser produtivas como as empresas querem e ainda terem uma vida rica em experiências, afinal ou isso ou cada vez mais gente vai abandonar o trabalho formal ou cair em depressão profunda.

Além disso, fico arrepiada com essa ideia de falsa segurança que alguns atribuem ao fato de se tornarem “indispensáveis” em sua empresa. Até porque, ninguém é realmente indispensável em uma empresa, sofre-se com a partida de alguns, muda-se algumas coisas e segue-se em frente.

Escrito por Simone Fernandes

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

2 Comentários


  1. Pois é…essa escolha entre trabalho e filhos é muito dificil ( claro desde que a situação financeira permita) quando tomei esta decisão após abandonar uma carreira de muitos anos numa multinacional fui discriminada(colegas de trabalho e amigos)e até hoje escuto”você não trabalha,tem tempo de sobra”;no começo parece que os dias tem 48 horas, mas com o passar do tempo você vai se ocupando e de repente começa a sentir que estão faltando horas no dia da mesma forma.A convivência tempo integral com um filho “não tem preço”.E não tem carro do ano,viagens,roupas,casa no bairro tal,etc.que sejam mais importantes do que viver sem stress,sem a eterna urgencia dos projetos sempre “para ontem”.bj lindinha,te amo

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    1. Oi Marys, na semana passada a professora da carol me procurou e disse que é visível a melhora dela em termos de aprendizado e comportamento desde que parei de trabalhar. Como vocês disse: nada é mais importante que isso!! beijos

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