Crítica: Conto A Igreja do Diabo de Machado de Assis inspira produção nacional A Comédia Divina

Depois de mais de dois mil anos relegado a viver no inferno e vendo sua popularidade caindo entre os seres humanos, a vida não anda das melhores para o Diabo (Murilo Rosa).

Mas nada que fundar uma nova igreja não resolva, não é verdade?

Sim, um Diabo com sua própria igreja é o mote de A Comédia Divina, produção nacional que chega aos cinemas nesta quinta, dia 19 de Outubro, com direção de Toni Venturi (Cabra-Cega, Latitude Zero, Estamos Juntos).

O longa, baseado no conto A Igreja do Diabo de Machado de Assis, de 1884, faz graça com a curiosidade humana e a nossa tendência a nos deslumbrarmos com o que a mídia nos entrega.

O papel da mídia como construtor de ídolos é feito quando o Diabo enxerga em Raquel (Monica Iozzi), uma recém formada jornalista, a pessoa certa para ajudá-lo a conquistar seu público.

Raquel tem ambição de chegar longe e não hesita em assumir uma posição na TV, ainda que com nome e currículos falsos, assim como não hesita em entrar para o time do Diabo quando a oportunidade surge.

A escolha da cidade de São Paulo como cenário para o novo projeto do Diabo acaba gerando piadas silenciosas para quem conhece a cidade (é impossível não fazer uma ligação entre a igreja do rei do inferno e a proliferação dos grandes templos dos últimos anos).

Considerando o protagonista nada é muito certinho, mas o Diabo de Murilo Rosa (que claramente se divertiu horrores interpretando o papel) não chega a ser muito assustador. Na verdade, ao prestarmos atenção, principalmente em seus encontros com Deus (a ótima Zezé Motta), fica claro que, apesar dos milhares de anos passados, ele não superou o fato de ter sido expulso do céu por causa dos humanos.

A título de curiosidade: Murilo Rosa interpretou Jesus em quatro oportunidades diferentes, então gostou bastante da ideia de interpretar o Diabo para variar um pouquinho. O ator pode ser visto nos cinemas também em A Menina Indígo, lá interpretando o pai de uma menina especial e, na coletiva do lançamento do filme, deu a melhor declaração possível sobre a escolha de Zezé Motta para o papel de Deus: “Ninguém tem mais autoridade neste país para ser Deus.”

Sim, o roteiro, de José Roberto Torero, Marcus Aurelius Pimenta, Caroline Fioratti e o próprio Venturi, tem vários clichês, brincando com a imagem que temos do Diabo que apesar de mal, ele é irresistível, charmoso e instável, mas estes funcionam bem e funcionam como “escada” para uma crítica a onda de moralidade que anda tão em destaque.

Na verdade o filme foi produzido entre 2014 e 2015, tendo sua estreia adiada principalmente por conta do uso de computação gráfica em muitos dos quadros – no cinema nacional o orçamento normalmente é curto, então as coisas podem ser um tanto mais lentas – e chega aos cinemas em uma época em que mais que nunca esse tipo de crítica cai bem.

A crítica acaba sendo o ponto mais sutil do filme, que usa muito do humor físico para fazer graça.

Para quem acompanha bastante o cinema e televisão nacional o longa ainda tem mais um atrativo: vários convidados fazem participações rápidas, incluindo o diretor. Chamadas por este de “participações afetivas”, elas acabam arrancando sorrisos dos espectadores.

 

FICHA TÉCNICA
Direção: Toni Venturi
Roteiro: José Roberto Torero, Marcus Aurelius Pimenta, Caroline Fioratti
e Toni Venturi
Elenco: Murilo Rosa, Monica Iozzi, Thiago Mendonça, Juliana Alves,
Dalton Vigh, Zezé Motta, Thogun Teixeira, Débora Duboc
Produção: Olhar Imaginário e Aurora Filmes
Coprodução: Globo Filmes
Distribuição: Imagem Filmes

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

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