Vida de Pedestre: o cruzamento

no cruzamento a preferência é do pedestre

Eu moro no bairro da Pompeia. É um bairro relativamente antigo de São Paulo, que foi conhecido como “Suíça paulista” quando de sua criação por conta da altura de seus morros. Um bairro essencialmente residencial, mas que possui ruas mais largas que as mais antigas da cidade. Ainda que largas, de paralelepípedos – substituídos pouco a pouco pelo asfalto devido a falta de mão de obra especializada para manutenção desse tipo de calçamento.

Minha rua é desse tipo e cruza com outra, um pouco mais larga, em que passam os ônibus. Tanto uma como outra são ruas, não avenidas, e não dispõe de faróis nem são adequadas para velocidades mais altas que alguns insistem em tentar, causando acidentes semanais no cruzamento seguinte ao meu.

A escola da Carol fica a uma quadra e meia de distância. O único cruzamento que nos separa dela é justamente com essa rua mais larga que, acho eu, alguns acreditam ser semelhante a uma marginal ou via expressa.

Nesse um ano em que repetimos esse trajeto de segunda a sexta eu poderia contar nos dedos de uma mão o número de motoristas que pararam antes da faixa para que pudéssemos atravessar, mesmo com a minha filha insistindo em tentar o tal “sinal do pedestre” que a prefeitura instituiu em sua recente campanha.

Na verdade, considerando que aproximadamente 90% dos meus trajetos são feitos a pé eu já me acostumei a ter de esperar pelo tráfego diminuir ou com as “aceleradinhas educativas” que alguns motoristas praticam para nos lembrar que a “rua é deles”.

Mas eu tenho uma tremenda dificuldade em lidar com a falta de lógica. E com a falta de educação.

Atravessávamos esse mesmo cruzamento, eu, Carol e a cã. Não era um horário de pico, o chão molhado da chuva estava escorregadio. Carol com 15 pontos na perna – resultado de um pequeno acidente em nossa última viagem. Esperei bastante antes de atravessar, até por conta da Carol não poder andar rápido,  e o fiz colocando o guarda-chuva fechado reto, a frente, a fim de garantir que qualquer um nos visse e diminuísse.

Quando o fiz havia  um carro em uma distância de duas quadras de nós. É claro, a senhora que o dirigia achou por bem dar uma aceleradinha educativa para ensinar a esta família imprudente o quão perigoso é atravessar na faixa de pedestre. Isso não me surpreendeu.

O que me surpreendeu é que, ao passar atrás de nós, que já estávamos na outra metade da via de mão dupla, ela baixou o vidro e gritou, na frente da minha filha e dos filhos dela que estavam em seu carro, que eu deveria “continuar atravessando desse jeito mesmo porque aí eu poderia ser atropelada com gosto”.

Eu fiquei sem reação e sem resposta. A Carol ficou chocada. Ela me perguntou mais de uma vez porque uma pessoa faria isso e eu não tinha resposta alguma para dar, eu não conseguia explicar de alguma forma que não incluísse eu xingar a moça e eu odeio quando eu não consigo explicar algo para a Carol de forma que ela não crie preconceitos ou que crie animosidades.

Isso foi ontem e eu ainda não consegui esquecer, até porque logo cedo atravessei aquele mesmo cruzamento levando minha cã para passear.

Ainda fico pensando se a pessoa passou por algo tão ruim assim ontem que ela precisava descontar sua raiva em alguém. Se ela, presa nos intermináveis congestionamentos que tomam a cidade, estava tão frustrada que qualquer tipo de liberdade pequena lhe atingia. Ou se ela é simplesmente mais uma que se sente maior dentro de sua armadura de metal.

O que eu sei é que eu fiquei imensamente triste, assustada como eu não ficaria se eu quase tivesse sido atropelada. E eu não devia estar triste nem assustada porque eu não fiz nada de errado. Porque TODO MUNDO sabe que a prioridade é do pedestre, mesmo que a maioria não pratique.

Eu fico pensando nas campanhas da prefeitura, na luta dos ciclistas por mais espaço, na briga por mais ciclovias e eu sei que nada disso, nada, adiantará enquanto as pessoas continuarem tão no ataque para se defender, tão preocupados com o “seu espaço”, pouco importa se o outro não tiver o dele.

Eu não desisto não, mas tem dias que além da força na subida, é preciso muito de coragem e fé.

Escrito por Simone Miletic

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

7 Comentários


  1. Mudei dos Jardins para S. Caetano há quase 3 anos e percebi que a maioria dos veículos param para a travessia dos pedestres. Lembro que fazia um curso na Augusta e era uma dificuldade atravessar o cruzamento da O. Freire com a Augusta, mesmo na hora do almoço, com faixa e semáforo.

    A falta de educação parece que se enraizou na sociedade, ou talvez, como muitos dizem, abandonou a formalidade.

    Quinta-feira resolvemos ir a S. Paulo fazer compras de trem. Da portaria de taxi até a estação da Luz gastamos 45 minutos e fomos sentados, fora do horário de pico.

    Na volta a plataforma estava vazia, vi meia dúzia de pessoas que queriam entrar no vagão e não estavam dispostos a aguardar a saída dos usuários.

    Lembro vagamente, mas ao sair fui empurrado e cai no vão entre o trem e a plataforma. Se não abrisse os cotovelos cairia debaixo do trem.

    Uma jovem me puxou para cima e se bobeasse a maioria pisaria na minha cabeça.

    Assim caminha a sociedade

    Nb; Reclamei para CPTM e disseram que não há maneira se diminuir a distância do vão porque passam trens de carga mais largos na estação.

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    1. Milton,

      O metrô e os trens são ainda piores no quesito falta de educação, como se o limite não existisse – hummm, lembro que Einstein disse que não existe limite para estupidez humana, não é verdade?

      Ninguém respeita as escadas rolantes, dá passagem, espera que os demais saiam do trem. Eu já cai de forma parecida com a sua.

      No trânsito vemos fechadas, pessoas querendo levar vantagem em tudo, xingamentos.

      Nos ônibus a maioria para na porta, complicando a saída de quem precisa e ainda xingam quando alguém acaba por empurrá-los na passagem.

      Tem que ter fé. Mesmo.

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  2. Si, fiquei triste contigo… não dá pra entender, muito menos pra explicar o que leva uma pessoa a ser tão estúpida.

    Brasília é pioneira no respeito à faixa de pedestre. Vejo a situação como pedestre e motorista, sei que ambos os lados apresentam seus defeitos e erram de vez em quando, mas o respeito ainda predomina. Uma vez fui xingada horrores por uma pedestre que achou que eu não iria parar. Ela devia estar num mau dia, sei lá… (eu parei direitinho, antes da faixa, sei lá o que deu nela).

    Sobre esse “sinal” que inventaram – aqui em Brasília chamam de “sinal de vida” -, vale dizer que é uma das coisas mais ridículas que já vi. Não existe em nenhum lugar do mundo e, embora tenha “pegado” por aqui, eu me recuso a pagar o vexame. O pedestre TEM prioridade, ponto.

    Só resta mesmo acreditar que essa senhora tem algum problema muito, muito sério, por isso foi tão grosseira com vocês e deu um exemplo tão negativo aos próprios filhos…

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  3. Si, eu me dei, faz tempo, ao luxo de não mais deixar passar batido. Grito “idiota” pra todo motorista que passa o sinal vermelho. Chamo de “imbecil” todos que param em cima da faixa de pedestre, sabendo que o sinal vai fechar e ele não vai avançar. Reclamo, xingo, falo, externo. Porque as rugas na minha cara e os pulos no coração – não, eu não os mereço. E faço questão de fazer passar vergonha aqueles que não têm o mínimo senso de cidadania nem respeito pelo próximo.

    Chega de engolir sapo. Meu quase meio século de vida me fez merecer isso.

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    1. Suzana, eu era assim, até ser ameaçada por um sujeito com o dobro da minha altura, no trânsito. Ele me fechou feio, eu xinguei. Ele freou de forma que eu batesse no carro dele. Não bati, mas tive que parar o carro. Ele desceu, veio pra cima de mim, gritando e me ameaçando. Eu desci do meu carro e encarei, mas morrendo de medo de que ele estivesse armado. Felizmente, do outro lado da rua tinha um Batalhão de Trânsito. Os pms chegaram, o cara fugiu.

      Não vale a pena arriscar a sua vida, por mais certa que você esteja.

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      1. Eu não dirijo, Lu. E sempre atravesso na faixa, espero o sinal fechar, tudo nos conformes. Pro cara parar depois de avançar loucamente o sinal ele vai bater o carro, e quem parou em cima da faixa do pedestre vai ter que encarar as outras pessoas que também xingam – baixo, mas xingam e olham feio. E, obviamente, não sou doida de fazer isso à noite, sem ninguém na rua. Eu faço na frente de todo mundo, que é pra expor a falta de educação do outro. E, olha, sempre é uma catarse – minha e dos outros pedestres.

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  4. credo..que coisa horrível! Pq as pessoas precisam ser tão raivosas e grossas dessa maneira..Eu fico tão feliz quando um motorista dá passagem (fazendo uma fila de carro atrás dele se formar) e penso como aquela pessoa é educada e legal, a verdade é que todos deveriam fazer isso né..triste.

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