Uma cidade muda, não muda

cidade muda não muda

Copiando um trecho de um dos mais interessantes textos que li hoje sobre os acontecimentos na cidade de São Paulo: eu não sou comunista, nem socialista, nem petista.

Sou humana e tenho visto cada vez mais gente nesta cidade triste. Triste com o dinheiro que não chega ao fim do mês, com as horas que leva para chegar ao destino, com os sacrifícios que são necessários para tentar uma vida melhor. Triste com as incontáveis horas de trabalho para entregar a maior parte de seus ganhos ao governo na forma de impostos.

E não pense você que ganha mais, que tem seus dois carros na garagem e viaja para o exterior todo ano que não estou te incluindo na tristeza: você que paga escola particular para seu filho porque a pública não tem mais qualidade, você que paga convênio médico todo mês porque não quer ficar preso em uma fila do SUS sem tratamento, você que paga seguro de quase tudo porque foi caro demais e se te roubarem você não terá como repor. Você também deve estar triste, apenas não percebeu ainda.

Vejo gente criticando os ativistas ciclistas e dizendo que eles são apenas um bando de playboys em bicicletas muitos caras. E talvez parte deles até seja mesmo, mas porque boa parte das pessoas que mais precisariam ser ouvidas quando o assunto é mobilidade nesta cidade está presa dentre de um ônibus lotado ou atravessando a cidade toda em sua bicicleta velha tentando chegar vivo em casa.

Um texto ontem criticava os números de uma reportagem sobre o custo do transporte para o trabalhador. Segundo este crítico, os jornalistas distorceram os números para provar seu ponto e que o aumento não tem esse efeito todo que estão falando por aí. No mundo ideal em que ele vive, mas não vivem a maior parte dos brasileiros, todos recebem vale-transporte adequado para todo o seu trajeto e só são descontados em até 6% de seus salários. No mundo em que eu vivo muita gente não recebe vale-transporte, outros recebem apenas parte do que gastam e outros, ainda, vendem o que recebem para comprar comida e vão para casa a pé ou de bicicleta – no Rio parte da população nem volta para casa e tem dormido nas ruas do centro.

Uma pessoa fala que viu cenas de um pequeno grupo de arruaceiros em meio as manifestantes começando a confusão e pergunta por que os demais não pararam esse grupo. Minha resposta? Provavelmente estavam ou argumentando com a polícia de que a violência não era necessária ou já estavam fugindo tentando salvar sua própria vida.

O medo é o melhor alimento da selvageria.

Ontem o protesto em São Paulo seguiu pacificamente do Centro, aonde se iniciou, até a região da Consolação, ao lado da Rua Maria Antonia – velha conhecida de quem leu sobre a ditadura. Chegando lá encontraram uma parede humana de soldados da polícia militar. Os policiais queriam que os manifestantes retornassem ao centro, os manifestantes queriam continuar em direção da Paulista. Enquanto alguns representantes dos dois grupos conversavam, um novo grupo de policiais desembarcava na avenida com a expressão “vamos para a massa” sendo repetida por suas vozes. Até ali nenhum ato de vandalismo havia ocorrido.

Só que aí chegou o medo. Em meio a correria de manifestantes e policiais, bolas de borracha cortavam o céu e a briga começava, enquanto pessoas que simplesmente estavam ali na hora errada procuravam abrigo. Na reportagem de um jornal matutino – que me causou enjoo hoje pela manhã – o líder desses policiais repetia “Eles não cumpriram o combinado de não subir para a Paulista, agora não reclamem do que vão receber.”

Confesso, não sou experiente nesse negócio de protesto. Nunca fui muito rebelde e nem pensei que me tornaria a beira dos 40 anos. Mas algo me diz que protesto, manifestação, é assim mesmo, você não faz o “combinado”, você grita para se fazer ouvir, você incomoda as pessoas em volta com a presença do grupo, já que o individuo nem sempre é capaz de fazer o barulho necessário para chamar a atenção para um problema.

Ainda, posso ser inocente, mas se ao invés de uma parede humana os manifestantes tivessem encontrado um corredor que os permitisse continuar seu caminho por uma pista, duas pistas que fossem, da avenida, bem, não haveria motivo para medo e muito provavelmente não existiria selvageria.

Na minha visão inocente, vivemos numa democracia e o direito a manifestação é garantido pela Constituição Federal, pouco importa se for por conta de R$ 0,20, a falta de segurança, a qualidade da educação ou as pessoas morrendo em corredores dos hospitais públicos. Cabe então a polícia proteger o patrimônio, o que até justificaria uma parede humana impedindo que invadissem o metrô, por exemplo, e a população. O tal corredor de que falei acima atenderia as duas questões de forma satisfatória.

Entendam bem, eu não tenho motivos para criticar a polícia de forma generalizada, acredito que boa parte deles merece reconhecimento por colocarem suas vidas em perigo para salvar as nossas. Só que como um extrato da sociedade que representam, dentro do grupo existem aqueles que não são tão bons assim, existem aqueles que apenas querem descontar sua própria frustração e existe, acima de vontade de todos eles, a direção errada lhes dizendo o que devem fazer.

A verdade é que eu não preciso concordar com o motivo da manifestação – e olha que com essa eu concordo muito – para defender o direito de que ela exista e ponto.

Sim, ela vai atrapalhar algumas ou muitas pessoas, ela vai piorar o trânsito – mas nem tanto, já que na véspera, sem protesto, São Paulo teve muito mais congestionamento – ela vai atrapalhar a rotina de quem só queria chegar em casa e descansar. No dia você pode estar com uma dor de cabeça incrível e eu sei que a nossa dor é sempre mais importante que a dos outros, não por maldade, mas porque dói na gente.

Só que a gente tem de pensar no significado disso. Não são só R$ 0,20, mas um monte de direitos que tem sido desrespeitados. Não é somente o valor da passagem e o aperto dentro do ônibus, mas os políticos que nem tem mais vergonha de fazerem acordos apenas para manter seus benefícios. É a perda do filho num assalto bobo, é a falta de emprego de um membro da família.

É um monte de tristeza transformado em raiva. E a vantagem da raiva sobre a tristeza é que ela nos move pra frente, elas nos faz ter forças para mudar.

Então, quem estava na manifestação e quem estará nas próximas – meu coração vibra acreditando que outras virão – não precisa pedir desculpas pelo transtorno, só precisa continuar querendo mudar o mundo!

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Sobre selvageria humana

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Imagem do post de Gabi Butcher

Escrito por Simone Fernandes

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

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