Cidades e Bicicletas e o Futuro da Mobilidade

“The more women ciclyng, the more men will follow”  – Mais mulheres pedalando, mais homens vão segui-las

Foi com essa frase que David Byrne, conhecido por seu trabalho na música que acabou se tornando ídolo de muitos ciclistas por seu ativismo em favor da causa em todo o mundo, encerrou a apresentação que deu abertura do fórum de mobilidade realizado na última terça-feira no SESC Pinheiros em São Paulo.

É evidente que sua presença – na verdade ele é o idealizador do fórum que ainda seguirá por mais sete cidades da América Latina – acabou por atrair muita gente ao evento, mas acho que o que realmente aqueceu o coração dos quase 1.000 ciclistas presentes (sim, somos tudo isso, vocês acreditam?) foi ver a frente do SESC lotada por bicicletas presas aos paraciclos em formato de U. Quando eles não deram mais conta, foi a vez do bicicletário interno no SESC ficar lotado.

Foto Carlos Alkmin

Apesar de ter chegado em cima da hora, consegui um ótimo lugar na frente da plateia e pude olhar para trás e ver o teatro lotado, em sua maioria pessoas que carregavam seus capacetes ou usavam coletos refletivos.

É inegável que o movimento ciclista em São Paulo nunca foi tão forte e é maravilhoso ter a sensação de que, agora, não tem volta, ele só tende a crescer.

A abertura do evento foi feita por Danilo Santos, diretor do SESC, que destacou que o evento ser realizado lá não era por acaso, mas sim parte da opção da entidade por privilegiar ações que melhorem a vida de todos. Ele também foi bastante feliz ao destacar que é ao olhar a cidade, ao perceber aquela casa amarela que há tantos anos está naquela quadra, somos capazes de nos reconhecer e nos encontrar. O que dificilmente é feito de dentro de um carro.

O debate foi conduzido por Paulina Chamorro, da rádio Estadão-ESPN, e contou com a presença de, além de David Byrne, Marcelo Branco, Secretário de Transportes da cidade, Arturo Alcorta, jornalista, ativista e bike repórter, e Eduardo Vasconcellos, sociólogo e conselheiro da Associação Nacional de Transporte Públicos.

Ver David Byrne fazer sua apresentação não deixou de ter um gosto de dejavú: no mesmo tom e da mesma forma que aborda a questão do uso da bicicleta nas cidades em seu livro Diários de Bicicleta, Byrne destacou o difícil mundo em que vivemos, isolados em nossas casas, das quais só saímos “protegidos” pela armadura de metal de nossos veículos.

Um mundo aonde as pessoas se isolam cada vez mais, seja nos subúrbios americanos em que tudo que for preciso a pessoa fará de carro, seja nos condomínios verticais que dominam a paisagem de São Paulo, aonde a maioria não conhece nem seu vizinho de porta.

Um mundo dominado por grandes avenidas e grandes estacionamentos, espaços mortos aonde não vemos pessoas e onde ficamos ainda mais inseguros. Ao lembrar do livro, acho que isso foi o que mais me impressionou ao longo da leitura: na tentativa de termos mais segurança, tiramos as pessoas das ruas, tornando-as mais vazias e mais inseguras.

Byrne falou que, apesar de tudo, não é isso que as pessoas querem, dando como exemplo o sucesso que tem um shopping na cidade de Los Angeles – o maior exemplo de uma cidade projetada para carros e não para pessoas – que imita ruas com lojinhas de bairro.

Em sua apresentação ele mostrou fotos do centro de São Paulo. Sim, ele não é tão bonito e ainda é muito sujo, mas muito mais desejável a alma humana do que imensas avenidas inabitadas.

Pegando a palavra, Artur Alcorta iniciou comemorando o auditório cheio, teve alguns problemas com sua apresentação, mas foi muito feliz em mostrar as diferenças que podem ser percebidas na cidade de Nova Iorque ao longo dos últimos 07 anos, aonde um dia um prefeito quis proibir as bicicletas nas ruas por conta de eventos relacionados a bikemessengers e que a reação contrária da sociedade acabou por dar um impulso em medidas que melhoraram a relação com os ciclistas.

Só que ver tanta coisa positiva lá fora acabou por deprimir o ativista, ao invés de animá-lo. O motivo? Pensar na incapacidade que nós, aqui no Brasil, temos de mudar essa cidade para o bem.

Alcorta, na mesma linha do livro de Byrne, lembrou a todos que as cidades surgiram da união de pessoas e que isso foi perdido: “Hoje nos acostumamos com o que é ruim, não se pensa coletivamente em união ou estrutura. Estamos ao lado de Curitiba e não conseguimos usar seus exemplos bons para melhorar nossa cidade.”

Em suas fotos, imagens das ruas hoje muito mais sustentáveis de Nova Iorque.

Para finalizar, ele ainda falou da importância de pensarmos em todos, pensar no futuro, para construirmos resultados perenes; na importância de se pensarem e discutirem os projetos da cidade, deixando de lado a pobreza de informações que hoje a imprensa nos entrega.

Precisamos pensar em qual futuro de mobilidade queremos para nós e ouvir os dois lados, deixar de lado o preconceito, a animosidade.

Acho que Alcorta, assim como eu, sabe o quanto é difícil o diálogo entre ativistas e autoridades, exemplificado pela pequena vaia que surgiu nos presentes quando Marcelo Branco foi apresentado. A gente sabe que o governo não ajuda, mas não adianta simplesmente cortar o diálogo.

E foi Marcelo Branco o terceiro a falar. Tudo bem que ele não começou muito bem, confessando que havia levado uma apresentação focada na ciclofaixa de lazer, mas se recuperou ao reconhecer que o foco da CET hoje é nos veículos motorizados e que é preciso baixar a velocidade das vias para que carros, pedestres e ciclistas tenham mais segurança.

De toda a sua apresentação, o que mais gostei foi a exposição do projeto de ciclorotas, que está sendo iniciado no bairro do Brooklin e a que menos gostei foi sua certeza de que a cidade precisa ser reconstruída para que a bicicleta seja inserida no dia a dia.

Eu acredito mais em educação e cultura que em reconstrução. Não existe como colocar ciclovias em todas as ruas, então precisamos mostrar aos motoristas que o compartilhamento de vias é o caminho mais simples e rápido para inserção desse público nas ruas.

A apresentação final do De Eduardo Vasconcellos, que foi também a mais aplaudida.

Mas, como esse post já ficou enorme, volto amanhã para falar sobre isso, até porque vale muita discussão.

Escrito por Simone Fernandes

Formada em contabilidade, sempre teve paixão pela palavra escrita, como leitora e escritora. Acabou virando blogueira.

Escreve sobre suas paixões, ainda que algumas venham e vão ao sabor do tempo. As que sempre ficam: cinema, literatura, séries e animais.

3 Comentários


  1. Olá, tudo bem? Você me fez ter coragem de encher os pneus de minha bike e sair pedalando, coisa que não fazia há muito tempo.Minha bicicleta ficou quase 01 ano encostada.Muitíssimo obrigada!

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